Vídeo: funeral de jornalistas mortos em Gaza reúne centenas em meio a críticas a Israel
Cinco colaboradores da Al Jazeera foram atingidos por bomba após Tel Aviv acusar um de integrar o Hamas, citando documentos apreendidos em Gaza

Centenas de pessoas se reuniram para o funeral do jornalista da Al Jazeera, Anas al-Sharif, nesta segunda-feira, 11, e carregaram seu caixão pelas ruas da Cidade de Gaza, um dia depois dele e quatro colegas terem sido mortos em um ataque aéreo israelense. O episódio foi amplamente condenado por jornalistas, grupos de direitos humanos, pelas Nações Unidas e líderes mundiais.
Al-Sharif, 28 anos, foi atingido por uma bomba dentro de uma tenda para jornalistas em frente ao Hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, na noite de domingo 10. Sete pessoas morreram no ataque, incluindo o correspondente da Al Jazeera, Mohammed Qreiqeh, e os cinegrafistas Ibrahim Zaher, Mohammed Noufal e Moamen Aliwa, de acordo com a emissora sediada no Catar.
Uma pequena multidão se reuniu no cemitério Sheikh Radwan, no coração da Faixa de Gaza, para homenagear os jornalistas, cujos corpos jaziam envoltos em lençóis brancos no complexo hospitalar de Al-Shifa, antes do enterro. Em meio às lágrimas, amigos, colegas e parentes se abraçaram e se consolaram durante o funeral.

A Al Jazeera afirmou que Al-Sharif havia deixado uma mensagem nas redes sociais para ser publicada em caso de sua morte. Escrita no dia 6 de abril e publicada após sua morte, a postagem diz: “Vivi a dor em todos os seus detalhes, experimentei o sofrimento e a perda muitas vezes, mas nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou falsificação. Que Alá seja testemunha contra aqueles que permaneceram em silêncio, aqueles que aceitaram nossa matança, aqueles que nos sufocaram e cujos corações permaneceram impassíveis diante dos restos mortais dispersos de nossas crianças e mulheres, sem fazer nada para impedir o massacre que nosso povo enfrenta há mais de um ano e meio”.
As acusações de Israel
O Exército israelense, o IDF, admitiu a autoria do ataque, afirmando que Al-Sharif se fazia passar por jornalista enquanto, na verdade, liderava uma célula do Hamas, “era responsável por lançar ataques com foguetes contra civis e soldados israelenses” e “recebia salário diretamente do Hamas”. A Al Jazeera e Sharif já haviam negado a acusação, considerando-a infundada.
Segundo comunicado do IDF publicado nesta segunda-feira, há documentos apreendidos na Faixa de Gaza que comprovam as acusações. “O material inclui listas de integrantes, registros de treinamentos, agendas telefônicas e comprovantes de pagamento”, segundo comunicado.
Os militares israelenses também recuperaram uma postagem de Al-Sharif no X (antigo Twitter) em que ele teria comemorado o atentado terrorista no qual o brasileiro David Anijarem, nascido em Belém, foi atingido na cabeça por um tiro. Segundo o IDF, Al-Sharif chamou o assassino de “herói” e “Cavaleiro de Jerusalém”.
Também foi divulgada uma foto em que o repórter aparece abraçado com Yahya Sinwar, ex-líder do Hamas assassinado no ano passado por Israel.

“Antes de vestir o colete com a inscrição ‘IMPRENSA’, suas redes sociais eram repletas de mensagens de apoio ao Hamas, glorificação do terrorismo e comemoração de atentados. No Telegram, também aplaudiu o massacre de 7 de outubro”, afirmou o Exército em comunicado, acrescentando que Al-Sharif apagou as postagens “quando passou a se apresentar como ‘jornalista’ da Al Jazeera”.

Contestação e críticas internacionais
O IDF não divulgou os documentos nem forneceu evidências factuais para sustentá-los. A relatora especial das Nações Unidas para a liberdade de opinião e expressão, Irene Khan, já havia declarado no mês passado que as alegações eram infundadas. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que em julho instou a comunidade internacional a proteger Al-Sharif, afirmou em um comunicado que Israel não apresentou nenhuma evidência para sustentar suas alegações contra o repórter.
“O padrão israelense de rotular jornalistas como militantes sem fornecer evidências confiáveis levanta sérias questões sobre sua intenção e respeito à liberdade de imprensa”, disse Sara Qudah, diretora do CPJ para o Oriente Médio e Norte da África.
Em um comunicado no X (ex-Twitter), o escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas condenou o assassinato dos jornalistas, que qualificaram de uma “grave violação ao direito internacional humanitário”. “Israel deve respeitar e proteger todos os civis, incluindo jornalistas”, disse o texto.
O Repórteres Sem Fronteiras também se manifestou, declarando à agência de notícias AFP que “condena com veemência e raiva o assassinato reconhecido pelo exército israelense” de Al-Sharif e outros jornalistas.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, declarou estar “profundamente preocupado” com os repetidos ataques a jornalistas em Gaza, segundo seu porta-voz. E após as notícias sobre a morte dos jornalistas, o presidente da França, Emmanuel Macron, voltou a condenar os planos de Israel para intensificar sua operação militar em Gaza, afirmando que é apenas um “desastre esperando para acontecer”, e propôs uma coalizão internacional sob mandato das Nações Unidas para estabilizar o enclave palestino.
Chamando Al-Sharif de “um dos jornalistas mais corajosos de Gaza”, a Al Jazeera afirmou que o ataque foi “uma tentativa desesperada de silenciar vozes em antecipação à ocupação de Gaza”.
“A Al Jazeera rejeita categoricamente a descrição que as forças de ocupação israelenses fazem de nossos jornalistas como terroristas e denuncia o uso de evidências fabricadas”, havia afirmado a rede catari em um comunicado de outubro passado, quando os militares israelenses identificaram Al-Sharif como um dos seis jornalistas de Gaza que, segundo alegaram, eram membros do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina.
De acordo com o projeto Custos da Guerra do Instituto Watson para Assuntos Internacionais e Públicos, a guerra em Gaza já matou mais jornalistas do que a I e II Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã, as guerras na Iugoslávia e a guerra no Afeganistão juntas. O escritório de imprensa do governo de Gaza, administrado pelo Hamas, informou que 238 jornalistas foram mortos desde o início do conflito, em 7 de outubro de 2023. Já o Comitê para a Proteção dos Jornalistas afirma que pelo menos 186 profissionais da área perderam a vida nos combates.