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‘Vão me entregar à morte’, diz Battisti

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. o italiano falou sobre ideologia, a prisão recente e o medo de ser extraditado

Por Da redação
12 out 2017, 15h09

Enquanto o presidente Michel Temer espera um parecer da Subchefia de Assuntos Jurídicos para decidir sobre a extradição de Cesare Battisti, o italiano de 62 anos perde noites de sono em uma casa simples emprestada por um amigo, decorada com pôsteres da antiga União Soviética, Karl Marx, Palestina e Guernica, de Pablo Picasso, no centro de Cananeia, no litoral sul de São Paulo, onde recebeu a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo para uma entrevista. Segundo Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália pelo assassinato de quatro pessoas – que ele nega – a extradição equivale a uma pena de morte.

Durante quase uma hora, ele disse que, se tivesse de fugir, seria para o Uruguai, e não para a Bolívia, acusou a Polícia Federal de promover uma armadilha contra ele com ajuda da Embaixada da Itália, admitiu que só um governo do PT negaria sua extradição, rejeitou a luta armada como método de militância nos dias atuais e disse manter a fé na ideologia que defendeu desde a adolescência. “Por que não tenho direito a ficar aqui?”, questionou. Leia os principais trechos da entrevista:

Como foi sua prisão em Corumbá, na fronteira? Estava indo com dois amigos pescar. Um de nós já havia ido lá, conhecia, e decidimos ir em um shopping para comprar casacos de couro, que são mais baratos, vinhos e material para pescar. Foi uma besteira porque a informação que eu tinha era que o shopping não estava em território boliviano, estava numa zona franca. Mas eles (policiais federais) estavam atrás da gente. Estavam esperando. Há tempos esta operação vem sendo armada com ajuda da Embaixada Italiana. Era evidente. Tinha pessoal que não era para estar trabalhando na fronteira. O fato é que estava tudo preparado, uma festa na delegacia. Estavam bem contentes, dançavam. Estavam convencidos que de lá eu iria para a Itália, que não me soltariam.

A Polícia Federal o acusa de evasão de divisas. Como se sustenta que três pessoas viajam e dois deles não tem nenhum centavo? Não dá. Eles começaram a pegar o dinheiro dos três, colocaram em cima de uma caixa de papelão. Espalharam como se fosse uma dessas malas aí e começaram a fazer fotos. O dinheiro era dos três, mas eles já começaram com essa história que estão contando agora [de que o dinheiro era todo de Battisti]. Quando alguém tentava dizer que era dono do dinheiro, eles mandavam calar a boca. Eles forjaram um crime que não existia. Confesso que não tinha nem ideia dessa coisa de fronteira, mas o dinheiro era dos três.

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O que você pretende fazer caso Temer decida pela extradição? Não sabemos nada porque os advogados pediram informações aos ministérios que teriam se ocupado deste assunto ultimamente, mas não entregaram nada. Então não sabemos em que se baseia o gabinete jurídico da Presidência para que eu possa ser extraditado. Não sei se o Brasil vai querer se manchar sabendo que o governo e a mídia criaram este monstro na Itália. Vão me entregar à morte.

A decisão do STF, que em 2009 determinou sua extradição, não é um bom argumento jurídico? STF que também disse que a última palavra seria do presidente da República. Por que não tenho direito a ficar aqui?

A Bolívia é um dos últimos países da América do Sul que têm um governo de esquerda ainda estável. Em algum momento você pensou em sair de um país onde a esquerda saiu do poder e ir para ao Bolívia? Não pensei, mas, se fosse sair do País, não iria para a Bolívia. Tenho mais relações no Uruguai. Teria ido para o Uruguai. É um país um pouco mais confiável. Não estou certo dessa estabilidade aí (da Bolívia).

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Você é de uma família de comunistas. Seu pai e seu avô eram comunistas. Valeu a pena ter lutado por aquela ideologia? Valeu e vale ainda. Não acredito que o mundo melhorou. Então por que não valeria a pena mais? Mas pensar hoje em fazer um movimento armado como foi comum em quase todos os países do mundo é uma loucura.

Na época não era loucura? Olha, é claro que a gente cometeu alguns erros. Éramos meninos e meninas de vinte anos que viam os companheiros baleados na rua, a máfia no poder, atentados com cinquenta, setenta mortos. Como reagiam meninos de vinte anos politizados? Antes que ele me mate vou matar ele. Se organizam. Claro que foi um suicídio. Tinha muita influência da Revolução Cubana, do Vietnã. Aquilo esquentou a cabeça do mundo inteiro. Fora de contexto é difícil entender. Aquilo não era terrorismo. Nunca fui acusado de terrorismo. Um movimento não faz isso. Um movimento de luta armada, se intervém, intervém visando a pessoas e situações. Não é colocar bomba na rua.

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Você matou alguém? Não matei ninguém. Tanto que me acusam de um homicídio que aconteceu quando eu não estava mais na Itália.

Como você decidiu vir para o Brasil? Eu tinha que ir para algum lugar. Já não podia ficar na França. Escolhi o Brasil porque tinha outros refugiados e eu estava em contato com eles, no Rio de Janeiro.

O fato de ser um governo de esquerda influenciou? Claro. Não iria para um país com governo de direita. Mas foi principalmente porque tinha outros refugiados aqui. Esses refugiados não foram [aceitos] pelo Lula, foram pelo Fernando Henrique Cardoso.

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Se o decreto não tivesse sido assinado por Lula, mas por Fernando Henrique, por exemplo, você estaria correndo risco de extradição? É contraditória a coisa, porque, se não fosse o governo do PT, não teria o decreto. Quem sabe?

Fernando Henrique não teria dado o asilo?  Ele fez para os outros, mas eles não tinham toda essa pressão que eu tenho. Comigo virou um caso pessoal. A Embaixada deve ter um setor que cuida só da extradição de Cesare Battisti. Porque não para.

O que mais preocupa você no caso de ser extraditado? O que me preocupa demais é a ideia de que não vou mais ver meu filho se acontecer isso. Ele vai fazer quatro anos no dia 13 de novembro. Outra coisa horrível é que não se pode dar a possibilidade a uma pessoa de se reproduzir e se criar em um país legalmente e de repente tirar tudo. Que é isso? É uma coisa horrível. É monstruoso. Não sou clandestino, não estou cometendo atos ilícitos.

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Em caso de uma decisão favorável como você vê o seu futuro no Brasil? Vai sentir-se seguro? Eu estou no Brasil. Para mim o Brasil é o meu país. Eu penso em português, sonho em português. O meu problema é que estou escrevendo em francês ainda, mas vou ter de mudar porque cada vez mais não consigo pensar em português e escrever em francês. O resultado não é excelente. Eu até antes de Corumbá estava tranquilo.

A prisão em Corumbá desencadeou este processo que pode levar à extradição? Não. O processo já estava em curso. Se não fosse em Corumbá seria em São Paulo ou Curitiba. O plano estava pronto. Qualquer pretexto era bom.

(com Estadão Conteúdo)

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