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‘Vamos libertar a política externa e o Itamaraty’, diz novo chanceler

Ernesto Araújo termina discurso com expressão tupi 'anuê jaci´, traduzida como Ave Maria; 'anuê' também é pronunciada como 'anauê', saudação do Integralismo

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 2 jan 2019, 21h54 - Publicado em 2 jan 2019, 21h16

Com um discurso nacionalista e messiânico e menções em latim, grego e tupi, o embaixador Ernesto Araújo tomou oficialmente posse de sua funções como ministro das Relações Exteriores do governo de Jair Bolsonaro defendendo a libertação da política externa e do Itamaraty do “globalismo”, a negociação de acordos comerciais em moldes modernos e o fim da “oikofobia”, o repúdio ao próprio passado.

O chanceler fechou seu discurso com a expressão “anue jaci” — Ave Maria, na tradução de José de Anchieta. Mas causou polêmica o fato de a palavra “anuê” ser verbalizada também como “anauê”, a saudação do Integralismo, movimento fascista brasileiro comandado por Plínio Salgado. A assessoria de imprensa do Itamaraty não confirmou se houve alusão de Araújo à doutrina de extrema direita.

“A política externa estava presa fora do Brasil”, declarou. “O presidente Bolsonaro está libertando o Brasil por meio da verdade. Nós vamos também libertar a política externa e libertar o Itamaraty“, completou o chanceler Araújo, para receber aplausos minguados da plateia de diplomatas brasileiros e estrangeiros e autoridades do novo governo, entre as quais o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.

Araújo definiu o Itamaraty como “o ministério do tempo, com a missão de proteger e regar a seiva da nacionalidade” e como “santuário da Nação”. Afirmou esperar a recuperação da Casa de Rio Branco como guardiã da memória brasileira e se propôs a fazer da instituição um “instituto de amor para o Brasil e o povo brasileiro”.

“A partir de hoje, o Itamaraty retorna à Pátria amada”, declarou logo depois de criticar o suposto temor da diplomacia em se manter conectada com o povo. “Nossa política externa vem se atrofiando por medo. Vamos ler menos (a revista) Foreign Affairs e mais Clarice Lispector e Cecília Meirelles, vamos ler menos The New York Times e mais José de Alencar e Gonçalves Dias, vamos escutar menos a CNN e mais Raul Seixas: ‘Não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar'”, afirmou, referindo-se à canção Ouro de Tolo.

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Em alguns trechos de seu discurso, Ernesto Araújo deu diretrizes mais claras para os diplomatas que passou a comandar. Por exemplo, quando reafirmou a sua própria admiração e a do governo Bolsonaro a Israel — “uma Nação mesmo quando esteve sem solo” —, aos Estados Unidos e aos países latino-americanos que, de acordo com ele, se libertaram do Foro de São Paulo, o grupo regional formado por partidos e pensadores da esquerda da região. Afirmou ainda admirar a “nova Itália“, governada pela extrema direita, assim como a Hungria e a Polônia.

Teofobia e aborto

Também declarou que, sob sua gestão, o Itamaraty vai reorientar a posição brasileira nos organismos das Nações Unidas de acordo “com o que o Brasil pensa, e não com o que as organizações não-governamentais querem”. Detalhou que essa reorientação se dará com base na soberania, nas liberdades e nos direitos básicos da humanidade — esta última, uma referência a sua posição contrária ao aborto e ilustrada por uma menção à novela O Direito de Nascer, um sucesso dos anos 1950 e 1960.

Afirmou ser a teofobia “gritante em nossa cultura” o problema do mundo, em uma indicação de que o Itamaraty deixará de se conduzir por uma visão laica, e não a xenofobia. “Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmos que pregam que os países não têm o direito de direito de guardar sua fronteira, são os mesmos que o feto humano é um amontoado de células descartáveis e que o ser humano é uma doença que deveria desaparecer para salvar.”

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Igualmente determinou a adoção de um perfil “mais engajado” do ministério nas questões de comércio agrícola, tecnologia, turismo e outras áreas econômicas e posições negociadoras mais altivas. “O Itamaraty deixará de negociar em posição de fraqueza. Devemos nos apresentar com posição de força, como um dos maiores produtores de alimentos do mundo”, declarou.

Quixotesco

O embaixador Ernesto Araújo definiu-se como “professor frustrado de latim” e afirmou ser chamado “de coisas piores que quixotesco”. Em sua argumentação acaciana, o chanceler citou inicialmente, em grego, o discurso de Bolsonaro: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, do Evangelho de São João (8:32). Voltou ao apóstolo no final de seu discurso, novamente em grego, ao defender o uso da palavra como instrumento da nova posição do Itamaraty: “No princípio era o verbo”, afirmou, referindo-se à frase inicial desse Evangelho.

Ernesto Araújo citou também, com ênfase, o ideólogo do novo governo, Olavo de Carvalho, ao comentar sobre a “responsabilidade pela transformação” da política externa. Disse que Carvalho mencionara um trecho de Dom Quixote, de Miguel Cervantes, em que o cavaleiro da triste figura delirara chamando camponeses de nobres. Ao dirigir-se a um pastor como se fosse o Marquês de Mantua, o camponês dissera não ser aquela autoridade — “eu sei quem eu sou” — e reconhecer no cavaleiro seu vizinho dom Alonso.

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“O Brasil é apenas Alonso e dirá: eu sei quem eu sou”, declarou Araújo, que ainda citou o ex-chanceler da época da ditadura militar Azeredo da Silveira.

Rezou ainda a “Ave-Maria” em tupi, na versão do Padre José de Anchieta. Mas trombou ao mencionar São Sebastião, quando queria se referir à coragem do rei Dom Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. E, pouco antes, ao citar a frase em defesa do amor, presente na canção Monte Castelo, de Renato Russo, como se fosse de autoria do compositor. A frase está no capítulo 13 da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios.

Para os jornalistas, o Itamaraty distribuiu um pequeno glossário de expressões em tupi, latim e grego, com tradução para o português.

Glossário
Glossário de expressões tupi, latim e grego mencionadas pelo chanceler em seu discurso (//Reprodução)
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