Um cemitério dentro do museu – a polêmica do memorial de 11/09
Dez anos após ataques que mataram quase 3.000 pessoas nas Torres Gêmeas, famílias divergem sobre projeto, que pretende abrigar restos mortais das vítimas
“Eles estão usando os restos mortais do meu filho para promover um negócio e eu sou contrária a isso”, diz mãe de vítima
No momento em que a tragédia de 11 de setembro completa 10 anos e que o principal responsável pelo atentado terrorista que matou 2.752 pessoas só em Nova York é finalmente exterminado, surge um novo problema. Trata-se da construção do Museu e Memorial Nacional 11 de Setembro, no Marco Zero da cidade, que abrigará os restos humanos dos mortos nos ataques. O monumento está mexendo com os nervos de muitas famílias americanas. “Eu me oponho 100% ao projeto do museu. Eu acho que é antiético, imoral e insensível”, disse ao site de VEJA Sally Regenhard, mãe de um bombeiro de 28 anos que morreu nos atentados e porta-voz das famílias descontentes com o projeto.
Organizado por uma associação que descreve seus objetivos como não-lucrativos, o museu vai expor pedaços e objetos que restaram das torres do World Trade Center com a proposta de educar os visitantes sobre o pior atentado terrorista da história dos Estados Unidos. A primeira parte do projeto será inaugurada no aniversário de 10 anos da tragédia. Já o memorial, localizado dentro do museu – porém em uma área separada e restrita – vai homenagear as vítimas. O espaço será dedicado a mostrar quem eram essas pessoas com fotografias, lembranças, objetos pessoais e mensagens de parentes. O objetivo é explorar a dimensão da perda humana nos ataques. Plano – O museu e o memorial ocuparão metade da área do Marco Zero, que tem 65.000 metros quadrados (cerca de oito campos de futebol). O projeto é composto basicamente por um pavilhão de aço. Ao seu redor, decorarão o ambiente duas piscinas, preenchidas apenas com cascatas de água, exatamente no local onde ficavam as duas torres. Dentro do pavilhão, haverá um auditório, um café e sete andares subterrâneos, que fazem parte da construção original do World Trade Center. No subsolo, ficará o memorial com os restos mortais das vítimas. É neste sombrio legado dos ataques terroristas que está a grande polêmica do monumento. Considerando que os restos mortais de 1.123 vítimas, 41% do total, ainda não foram identificados, milhares de americanos permanecem angustiados por não terem como enterrar seus entes queridos. Ao mesmo tempo, 9.041 fragmentos – em geral partículas de ossos ou tecidos do corpo humano – ainda estão sendo examinados pelos legistas de Nova York.
Discórdia – A ideia é que os restos mortais não possam ser vistos ou acessados pelo público em geral, somente pelas famílias das vítimas para contemplação e luto. Eles ficariam, porém, próximos às outras exibições, levando alguns familiares a se oporem ao projeto. Eles alegam que restos humanos não são “objetos” que devem ser expostos ou ficar próximos a exibições.
Para Sally, mesmo que os restos não estejam visíveis ao público, o fato de eles estarem dentro de um museu faz deles uma “mostra”. Outra questão considerada um desrespeito por ela é a localização do café e da loja de suvenires, na entrada do pavilhão, em relação ao memorial, no “porão”. “Eles estão usando os restos mortais do meu filho para promover um negócio e eu sou contrária a isso”, diz.
O maior erro para os oponentes do projeto é, portanto, embaralhar o “sagrado” com o “comercial”. Algumas famílias pediram inclusive a construção de uma capela sem denominação religiosa, o que foi negado pela organização do museu. “Não há espaço para Deus no Marco Zero”, critica Sally, temendo que o monumento leve as famílias das vítimas a um estresse pós-traumático.
Trauma – Para o professor de psiquiatria da Universidade de Michigan especializado em estresse pós-traumático e vítimas de terrorismo, Frank Ochberg, sentir-se machucado nesse tipo de situação é totalmente legítimo. “Uma pessoa que vai a um lugar onde seu familiar morreu e sente que seu luto foi comercializado pode ter sintomas de estresse pós-traumático ou apenas se sentir muito ofendida”, afirma.
Ochberg não é contrário à ideia de construir um memorial. Contudo, admite que é muito difícil fazer momumentos de homenagem às tragédias em massa porque as pessoas têm sensos muito diferentes do que é certo e errado na hora do luto. Além disso, esse tipo de “ferida”, para os familiares das vítimas, é mais difícil de curar, já que ela sempre será lembrada na história. “Se você é a mãe de uma criança que foi assassinada, tem uma chance de se curar, mas se é a mãe de alguém que morreu no World Trade Center, você é sempre lembrado do que aconteceu”.
Contraponto – Já Paul Wallier, um advogado americano que perdeu sua irmã Margaret nos atentados de 11 de setembro, está completamente de acordo com a proposta do memorial. “Eu considero o marco zero um local adequado para sepultamentos. Foi ali onde minha irmã morreu e o seu corpo foi queimado. Então toda vez que eu vou até lá, acredite se quiser, eu sinto como se estivesse em um cemitério”, conta. A família Wallier foi uma das que se dispuseram a transferir os restos mortais de seus familiares para o interior do museu, apesar de já terem realizado um enterro adequado em um cemitério católico. O objetivo do projeto, obviamente, não é desrespeitar a memória das vítimas, e sim homenageá-las. Mas, ao tentar balancear objetivos educacionais e comerciais com a honra aos mortos, a organização do monumento arranjou um problema para si. “A maioria dos museus americanos não é confrontada com as questões que estamos lidando aqui”, disse a diretora do museu, Alice Greenwald, ao jornal americano The New York Times. “Contudo, o único lugar que poderia abrigar esses restos mortais é justamente o World Trade Center”.