Um aperto só: gafe com Brasil é grão de areia perto da tormenta vivida pelo chanceler alemão
Merz não é o único europeu a sofrer no poder
Quem nunca tinha ouvido falar em Friedrich Merz, que há seis meses ocupa a cadeira de chanceler da Alemanha, foi apresentado à figura longilínea que tem as rédeas da maior economia da Europa depois que, ao deixar a COP30, em Belém, ironicamente perguntou ao grupo que o acompanhava se alguém ali sentiria falta “daquele lugar”. Mexeu, claro, com os brios nacionais, os quais o presidente Lula tratou de defender, no encontro do G20, no sábado 22, na África do Sul. “Ele deveria ter ido a um boteco”, cutucou o brasileiro, informando que, em viagem a Berlim, não deixa de comer um bom chucrute. Não satisfeito, Merz, que vem revelando pouco jogo de cintura para encarar as sutilezas do cargo, cometeu novo deslize em passagem por Angola. “Não achei um pedaço decente de pão por lá”, soltou. Já conhecido pelo vasto repertório de gafes, o alemão anda às voltas com enroscos de maior magnitude, enredado em uma crise econômica que não dá sinais de ceder e patinando em baixa popularidade, o que faz dele um líder fraco — um mal, aliás, que assombra outros governantes no continente europeu.
Desde a largada, a vida vem se provando dura para o chanceler. Foram necessárias duas votações, algo inédito, para que conseguisse o mínimo de votos para tecer uma coalizão cuja plataforma era revitalizar a economia, baqueada primeiro pela pandemia, depois pela guerra na Ucrânia. Celebrada por décadas como o caso maior de sucesso europeu, aliando o dinamismo do livre mercado a um generoso Estado de bem-estar social, a Alemanha é o único membro do G7, o grupo dos mais ricos, cujo PIB não cresceu nos últimos dois anos — e deve fechar 2025 aos trancos e barrancos, com um avanço de modesto 0,2%. Para reverter o quadro, Merz já avisou que o governo pretende expandir sua dívida pública, projeto que, para muitos economistas, não passa de uma “maquiagem” incapaz de promover a tão aguardada guinada. “Altos custos de energia, falta de mão de obra qualificada e queda de competitividade estão deixando a economia alemã na corda bamba”, alerta Geraldine Dany-Knedlik, do Instituto Alemão para Pesquisa Econômica.
No final de agosto, Merz decidiu mexer no vespeiro dos direitos adquiridos, ao declarar que o Estado de bem-estar social, que é exemplo para o mundo, não mais se sustenta. Apelou então para um “outono de reformas”, que não levou a lugar nenhum diante do risco de tomar medidas que acabariam por podar benefícios de uma população que dá claros sinais de insatisfação. Pesquisas situam Merz na desconfortável posição de um dos mais impopulares chanceleres alemães, com aprovação de 25%. Pior: apenas 18% querem vê-lo tentar uma reeleição. O que torna sua posição ainda mais frágil são as discordâncias internas em sua própria base de apoio, de matizes ideológicas diversas. Enquanto a União Democrata Cristã, à qual é filiado, é de centro-direita, o Partido Social Democrata da Alemanha está mais à esquerda. São ao todo doze siglas que compõem um delicado equilíbrio — se mesmo uma das pequenas resolve debandar, o governo se põe em risco.
O caso de Merz é parte de um fenômeno mais amplo, que atinge nações europeias em maior ou menor grau. As grandes estão suando para crescer em meio a um mar de indicadores que batem recordes negativos. A dívida pública da França nunca foi tão alta, equivalente a 115% do PIB. E, tal qual seu par alemão, o presidente Emmanuel Macron sofre com minguada popularidade e exígua margem de manobra. Os franceses até já se habituaram ao troca-troca de primeiros-ministros, que não se sustentam por não conseguir emplacar nada em uma Assembleia Legislativa que faz maciça oposição ao governo. O atual, Sébastien Lecornu, foi reconduzido ao cargo inacreditáveis quatro dias depois de pedir demissão, mas segue aos trancos e barrancos, tentando passar no Senado, até o fim do ano, o já desidratado orçamento de 2026. A mais doída derrota de Macron, porém, foi a marcha a ré que precisou dar na reforma da previdência que aprovou, suspensa até 2028. Era o seu maior feito desde que se alojou no Palácio do Eliseu, em 2017.
Do outro lado do Canal da Mancha, as águas não estão menos turbulentas. O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, do Partido Trabalhista, viu sua popularidade virar pó desde julho de 2024, quando assumiu o leme embalado por extraordinários 61%. Agora, estacionou em 17%. Com os ingleses sentindo no bolso os efeitos de uma economia ainda sob o impacto do Brexit, a saída da União Europeia, em 2020, também ele não tem força para tirar do papel as medidas necessárias para uma virada. “O governo diz que uma mudança significativa não acontece da noite para o dia, mas um ano depois da posse já deveria ter começado”, avalia o cientista político Matthew Barnfield, da Queen Mary University. Se as eleições fossem hoje, os trabalhistas perderiam para o Reform UK, de Nigel Farage, o expoente de uma ultradireita que ganha fôlego por toda a Europa. Para completar a tempestade perfeita, ministros em série têm se enredado em escândalos. E o coro para a saída de Starmer se torna cada vez mais audível. Como se vê, a vida dos líderes europeus não anda nada fácil.
Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972
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