Triste destino
Em questão de segundos, o mar se elevou e mais um tsunami causou morte e destruição na Indonésia, o segundo deste ano
Em 2018, a Indonésia, um país formado por 17 000 ilhas no sul da Ásia, bateu um recorde tenebroso: registrou o maior número de tragédias em uma década. A mais recente foi no sábado 22, quando um tsunami com ondas de mais de 5 metros desabou sem nenhum aviso sobre as praias que margeiam o Estreito de Sunda. Os mortos eram mais de 400 na noite da quarta 26, e ainda há dezenas de desaparecidos, além de 1 500 feridos e mais de 20 000 desabrigados. Antes disso, em apenas doze meses, o país amargou outro tsunami, terremotos, inundações, incêndios e um terrível desastre aéreo. Em consequência desses episódios, o doloroso total de mortes do ano que se vai passa de 4 500.
O tsunami de dezembro levou morte e destruição às duas ilhas mais populosas do país, Java e Sumatra (veja o mapa na pág. 58). Embora a Indonésia seja predominantemente muçulmana, o fim do ano é época de feriado prolongado e as praias estavam lotadas. Na imagem mais impressionante, funcionários de uma concessionária de energia elétrica, acompanhados da família, assistiam a um show da banda Seventeen quando viram, de repente, uma onda gigantesca erguer-se atrás do palco, desmoroná-lo com estrondo e a massa de água carregar tudo o que havia pela frente: pessoas, instrumentos, mesas, cadeiras, prédios. Em segundos, o local era pura devastação. Mesmo assim, houve quem filmasse a cena, conseguisse sair incólume e postasse no YouTube, obtendo mais de 3,5 milhões de visualizações em quatro dias. O vocalista da Seventeen, Riefian Fajarsyah, salvou-se, mas confirmou a morte do baixista, do baterista, do guitarrista, do produtor e de um técnico da banda.
Nenhum terremoto foi registrado pelos sismógrafos, e as ondas gigantes foram atribuídas a uma erupção de dois minutos do Vulcão Anak Krakatoa na véspera do tsunami, que fez uma nuvem de cinzas elevar-se 400 metros sobre sua boca. A hipótese mais provável é que um deslizamento observado no flanco sul do vulcão tenha progredido até o fundo do mar, despejando uma enorme massa de terra que fez com que as águas refluíssem e se erguessem em ondas gigantes (veja o quadro ao lado). Acredita-se ainda que o movimento tenha sido intensificado por ter ocorrido em maré alta, em noite de lua cheia. “Não houve alerta de tsunami porque o sistema de prevenção da Indonésia não é acionado por deslizamentos ou erupções vulcânicas”, justificou Sutopo Purwo Nugroho, porta-voz da assoberbada agência de monitoramento de desastres do país.
Em teoria, o sistema, instalado em 2008 e composto de sensores sismográficos, boias para detecção de alteração no nível do mar, medidores de marés e GPS, seria infalível se o tsunami fosse desencadeado por terremoto, como muitas vezes acontece. Mas a falta de manutenção, principalmente, provoca falhas até nessa circunstância. Em setembro, uma série de irregularidades impediu o acionamento do alerta e 2 100 pessoas morreram na Ilha de Sulawesi, onde um terremoto seguido de tsunami apagou a cidade de Palu do mapa. A mais devastadora tragédia da Indonésia, de longe, ocorreu em 26 de dezembro de 2004, quando um tsunami de proporções nunca vistas se abateu sobre catorze países do sul da Ásia e da África, matando inimagináveis 230 000 pessoas — 165 000 delas nas ilhas indonésias.
O desastre deste dezembro vem acompanhado dos problemas de sempre: falta de água, de alimentos e de abrigo para todos os que perderam a casa. As autoridades recomendam a quem puder que saia das regiões afetadas, por risco de doenças. Dois barcos do governo abastecem áreas onde os habitantes estão bloqueados. Equipes de resgate usam máquinas pesadas, cães farejadores e câmeras especiais para detectar corpos na lama e nos destroços ao longo do litoral de Java e de Sumatra.
A Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo, com 265 milhões de habitantes, tem 127 vulcões ativos e se localiza sobre o chamado “anel de fogo”, uma linha sujeita a terremotos frequentes e erupções vulcânicas que percorre as bordas do Oceano Pacífico. O próprio Anak Krakatoa formou-se a partir de 1927 na depressão marítima escavada durante a erupção do vulcão conhecido no Ocidente como Krakatoa (seu nome significa “filho do Krakatoa” na língua local), imortalizado em um filme catástrofe de 1968, Krakatoa — O Inferno de Java, indicado ao Oscar de efeitos especiais. Em agosto de 1883, as erupções do Krakatoa original provocaram tsunamis gigantes, com ondas de até 41 metros de altura, que mataram cerca de 30 000 pessoas (outros milhares foram incinerados pelas cinzas incandescentes). Segundo cálculos posteriores, as erupções do Krakatoa podem ser equiparadas à explosão de 200 megatoneladas de dinamite — aproximadamente 10 000 vezes a potência da bomba atômica lançada sobre Hiroshima, em 1945. A temperatura global caiu mais de 1 grau Celsius no ano seguinte, em consequência da fumaça que se espalhou pelo planeta. A Ilha de Krakatoa desapareceu — para dar lugar ao filho do vulcão, que agora volta a causar morte e devastação no sul da Ásia.
Publicado em VEJA de 2 de janeiro de 2019, edição nº 2615