Tribunal da Venezuela declara inconstitucional a Assembleia Nacional
Com a medida, governo de Maduro quer neutralizar Juan Guaidó, líder da oposição que se declarou presidente interino do país
O quadro político-institucional da Venezuela sofreu mais um golpe com a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) de considerar a Assembleia Nacional como “inconstitucional” e “destituída de mesa diretora”. A medida, na prática, tem o objetivo de anular o oposicionista Juan Guaidó, presidente desse parlamento que havia, há uma semana, se declarado presidente interino da Venezuela.
“Este Parlamento se mantém firme com as decisões tomadas. Temos um foco muito claro: em 23 de janeiro todos esses venezuelanos estejam muito atentos”, insistiu Guaidó nos jardins do Palácio Legislativo, referindo-se à data da grande mobilização popular contra a ditadura de Maduro convocado por ele.
Guaidó garantiu que a mensagem do Parlamento está tendo “eco” nas Forças Armadas, consideradas como o principal pilar de apoio da ditadura de Nicolás Maduro.
O TSJ é totalmente dominado pelo regime de Nicolás Maduro. Foi o Tribunal Supremo quem declarou o “desacato da Assembleia Nacional”, considerada como a única instituição eleita democraticamente e constitucional do país pela comunidade internacional. A iniciativa abriu a possibilidade para a eleição, em 2017, da Assembleia Constituinte que, com bancada 100% governista, passou a atuar como o único parlamento venezuelano.
O eco, entretanto, não se mostrou suficientemente forte. Na madrugada desta segunda-feira, os militares da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) de Macarao, no oeste do país, se amotinaram. Roubaram armas de um posto em Petare e se entrincheiraram no quartel do bairro Cotiza, na região norte de Caracas, com o intuito de derrubar o governo de Maduro.
“Aqui está a tropa profissional da GNB contra este regime que não reconhecemos completamente. Preciso do apoio de vocês, saiam às ruas”, disse um militar amotinado, que se identificara como sargento dessa corporação, em um dos vários vídeos que circularam nas redes sociais.
Todos foram presos, segundo as Forças Armadas.
Sob a liderança de Guaidó, a Assembleia Nacional declarara Maduro “usurpador” logo depois de sua posse em 10 de janeiro para um terceiro mandato presidencial. Guaidó recebera apoio de vários países, entre os quais o Brasil, que já haviam considerado ilegítimo o novo governo de Maduro.
O presidente da Assembleia Nacional fizera também um chamado aos militares venezuelanos para se rebelarem contra o governo de Maduro e lhes ofereceu anistia.”Fazemos um chamado à Força Armada para restabelecer a ordem. Família militar, ali estão os que querem perseguir”, disse Guaidó à imprensa.
Guaidó chegou a ser detido pela GNB, no dia 13, mas foi rapidamente solto. Maduro alegou que houve “traição” dos que o detiveram porque agiram sem ordens superiores.
Deserção e baixa
Rocía San Miguel, especialista em assuntos militares e presidente da organização não-governamental Controle Cidadão, afirmou que o motim pode ser descrito como uma “expressão de descontentamento que não encontrou resposta em outras unidades militares”.
Cerca de 180 soldados foram detidos em 2018 sob a acusação de conspiração, segundo San Miguel. A organização Human Rights Watch denuncia torturas aos presos políticos.
Em um contexto em que poucos escapam da escassez de alimentos e remédios e da hiperinflação, 4.309 soldados desertaram da Guarda Nacional Bolivariana em 2018, segundo uma lista citada pela Controle Cidadão. A ONG estima que 10.000 membros da Força Armada tenham pedido baixa desde 2015.
As Forças Armadas venezuelanas, integradas por 365.000 soldados e 1,6 milhão de milicianos civis, reafirmaram sua lealdade “absoluta” a Maduro após sua posse, no dia 10. Apesar do esforço para mantê-la monolítica, dois generais estão presos por um suposto ataque contra o presidente em 4 de agosto, quando dois drones explodiram perto do palanque onde Maduro liderava um ato militar.