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Smartmatic era próxima do chavismo e atuou no Brasil

Desde 2004, empresa realizou todas as eleições suspeitas na Venezuela. Só agora apontou fraude

Por Leonardo Coutinho, de Washington
Atualizado em 15 ago 2017, 22h53 - Publicado em 5 ago 2017, 08h00

A empresa Smartmatic, cujo presidente Antonio Mugica, denunciou fraudes nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) na Venezuela, era próxima do chavismo.

Desde 2004, a Smartmatic realizou todas as eleições na Venezuela. Essas votações sempre estiveram sob suspeita. Em algumas delas, o governo de Hugo Chávez cruzava a lista daqueles que iam votar com a de funcionários públicos e os ameaçava com demissão. Em outros momentos, os militantes chavistas afirmavam que eram capazes violar o sigilo do voto e, portanto, poderiam verificar se o cidadão havia votado ou não contra a revolução. Era uma mentira, mas que por ignorância ou medo, A maioria dos venezuelanos preferia não pagar para ver. Nunca se confirmou a manipulação dos votos dentro do sistema, mas ficou evidenciado que o chavismo se instrumentalizava dele para pressionar a população em um país onde o voto não é obrigatório.

Na quarta-feira, 2 de agosto, Mugica disse que os mecanismos de controle da companhia detectaram uma diferença de mais de um milhão de votos entre os efetivamente registrados por eles e o anunciado pelo regime de Maduro. Em um intervalo de apenas dois dias, a empresa que era um dos símbolos do processo de corrosão da democracia sob o chavismo mudou de status. Passou a ser vista pela oposição local como uma aliada para denunciar a ditadura que se instalou no país. A confissão demonstrou que sistema eletrônico não é inviolável e que apesar de jurar que isso nunca se passou antes, os processos eleitorais no país voltam mais uma vez a estar sob suspeita.

Enquanto na Venezuela a declaração de Mugica foi celebrada como uma vitória contra Maduro, nos Estados Unidos, os funcionários da administração Trump veem a inflexão da Smartmatic a partir de dois anglos principais.

Para alguns deles, a empresa tenta se eximir de qualquer culpa no processo e, portanto, se livrar de possíveis sanções por parte do governo dos Estados Unidos. Segundo um funcionário do Departamento de Estado disse à VEJA, além de Nicolas Maduro, seu vice-presidente Tareck al-Aissami e outros 21 chavistas, a Casa Branca deverá incluir na lista das sanções todos os constituintes como forma de declarar de forma “inequívoca que a constituinte de Maduro é uma obra de uma ditadura”, afirma. “É evidente que esse movimento da Smartmatic faz parte de um esforço da empresa mostrar sua idoneidade”, disse o funcionário.

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Outra possibilidade que está sendo avaliada pelos americanos é que, ao tentar se esquivar, Mugica também estaria fazendo um serviço para o regime. Fontes locais informaram que Nicolás Maduro espera uma reação mais dura por parte de Trump. “Tudo que Maduro quer é uma sanção que justifique dizer que é uma ingerência americana. Seria o argumento perfeito para a sua tese de ‘guerra econômica’”, disse a VEJA o general Hebert Garcia Plaza, que foi ministro dos Transportes e depois da Alimentação, na Venezuela.

Para um outro ex-ministro chavista ouvido por VEJA, a suspeita em torno da Smartmatic se justifica pela sua origem e papel desempenhado durante o chavismo. “Nunca se confirmou fraudes deles em meu país, mas também nunca vimos uma relação transparente entre eles e o Palácio de Miraflores”, afirma o ex-chavista que agora vive no exílio.

Criada nos Estados Unidos em 2000, por Antonio Mugica e outros dois venezuelanos, a empresa se arrastou até ganhar em 2003 o seu primeiro contrato com os chavistas. Sem ainda ter organizado sequer uma eleição municipal, a Smartmatic associou-se aos cubanos da Bizta e a uma companha de telefonia venezuelana da qual o governo venezuelano era detentor de 7% das ações. Juntos, venceram uma contra a espanhola Indra e desde então trabalharam todos os pleitos no país.

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Na primeira eleição em que a Smartmatic participou na Venezuela, em 2004, ocorreu um referendo revocatório – uma espécie de recall do presidente – ao qual foi submetido Hugo Chávez. Como não tinha sequer as urnas eletrônicas, a empresa encomendou à italiana Olivetti a adaptação de máquinas de loteria para coletar os votos. Nesse primeiro contrato, a empresa estreante recebeu 121 milhões de dólares. Exatamente 120 milhões de dólares a mais do que ele havia faturado desde a sua fundação, quatro anos antes.

Capitalizada, a Smartmatic lançou-se no mercado americano de eleições. Eles foram as urnas eletrônicas uma disputa em Chicago, em 2006. Mas o que deveria ser a estreia nos Estados Unidos, converteu-se em um fiasco. Urnas desapareceram, quando eram levadas de táxi para os centros de apuração e os resultados registrados por alguns equipamentos da empresa mostraram totalmente inconsistentes com os registros físicos. Um processo judicial foi aberto contra a Smartmatic e as investigações trouxeram à tona a relação umbilical da empresa com o chavismo.

Uma subsidiária da Smartmatic tinha como sócio direto o governo venezuelano. O Estado era dono de 28% do capital da empresa. A influência que levou o presidente Hugo Chávez a indicar um alto funcionário do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela para diretoria da companhia. O escândalo levou a o governo venezuelano a deixar a sociedade, mas não foi o suficiente para frear as investigações nos Estados Unidos.

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Acuada, a Smartmatic retirou-se do mercado americano e transferiu sua sede para Barbados, no Caribe. O impacto da descoberta sobre a uma empresa relacionada ao chavismo realizando eleições nos Estados Unidos foi tão forte que ajudou de forma decisiva à aprovação da Lei, em 2007, a Lei de Investimentos Estrangeiros e de Segurança Nacional que restringe a participação de empresas estrangeiras em atividades consideradas de segurança nacional.

A filial brasileira da Smartmatic já atuou em duas eleições recentes. Em 2012, fez parte de um consórcio responsável pela manutenção e upgrade de todas as urnas eletrônicas utilizadas no país. Em 2014, a empresa ganhou contratos com diversos TREs para a transmissão de dados eleitorais. Por onde atua, a companhia é alvo de uma série de controvérsias. No Brasil, por exemplo, a filial registrada na Junta Comercial de São Paulo está em nome de duas offshores holandesas. Apesar disso, a empresa apresentou-se nos contratos oficiais como sendo sediada em Barbados. Em sua página oficial, entretanto, define-se como sendo inglesa. No México, onde já atuou, era qualificada como holandesa. Além de Venezuela, Brasil e Estados Unidos, a Smartmatic realizou eleições na Bolívia, Equador, Zâmbia, Filipinas e na Bélgica. Nesses dois últimos países a empresa enfrentou ou denúncias de fraude ou processos judiciais. Nas Filipinas, o Congresso iniciou uma investigação sobre as falhas no sistema eleitoral da Smartmatic e para desvendar, sem sucesso, a intrincada rede de offshores que encobrem os proprietários da empresa, cujo rosto conhecido é do venezuelano Antonio Mugica. Em 2013, o governo da Bélgica se recusou a pagar parte do contrato para realização de eleições regionais, devido às falhas nas urnas que levaram à perda de votos. “A Smartmatic reconheceu pela primeira vez a vulnerabilidade do voto eletrônico. Que para nós na Venezuela era muito óbvio. Se hackers são capazes invadir o website do Pentágono, como não conseguiriam violar o sistema de uma urna” diz o analista político venezuelano Esteban Gerbasi.

Para Erick Langer, professor de história da América Latina da Universidade Georgetown, o chavismo conduziu a Venezuela para o estágio de Estado falido. “As ações de Nicolás Maduro devem ser compreendidas como um esforço para permanecer no poder. A mudança na Constituição representa exatamente isso. A fraude eleitoral evidente confirma que ao regime não tem limites”.

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