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“Quem não morrer nos bombardeios morrerá de fome”, diz brasileira em Gaza

Em entrevista a VEJA, Shahed al-Banna, que foi visitar a mãe em estado terminal de câncer, lamenta não conseguir retornar ao Brasil

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 nov 2023, 18h48 - Publicado em 8 nov 2023, 17h49

Shahed al-Banna, de 18 anos, está na lista de 26 brasileiros e seus parentes palestinos que há mais de um mês esperam na Faixa de Gaza a licença para atravessar a fronteira do Egito e retornar ao Brasil. Ela conquistou cidadania brasileira depois de morar seis anos no país, mas foi a Gaza antes do conflito para visitar a mãe, que estava morrendo de câncer e queria se despedir dos familiares. Nesta entrevista a VEJA, Shahed diz que todos os dias vive um pesadelo em meio aos bombardeios.

Por que você não conseguiu retornar para o Brasil antes de a guerra começar? Eu era menor de idade, tinha 17 anos e não consegui mais voltar para o Brasil. Eu tinha que esperar fazer 18 anos para voltar para o Brasil. Só que começou a guerra. Nasci aqui na Faixa de Gaza e faz um ano e meio que estou morando aqui. Eu morava em São Paulo. Vim para Gaza porque minha mãe morava aqui e teve câncer, estava passando muito mal e queria se despedir da família. Viemos para cá e, depois de um tempinho que chegamos aqui, ela faleceu, infelizmente.

É verdade que sua mãe morreu de câncer em Gaza, sem acesso a remédio? Sim, minha mãe morreu de câncer. Quando chegamos aqui, não havia tratamento para o caso dela. Não havia remédios. Após cinco meses tentando sair daqui de Gaza, ela conseguiu ser transferida de um hospital para outro, só que o outro hospital é em Jerusalém. Quando ela chegou lá no hospital em Jerusalém, eles deram um tratamento que não era adequado para o caso dela. Ela piorou, ficou lá uma semana e, quando voltou para Gaza, ela faleceu no mesmo dia.

Você continuou estudando em Gaza nesse período? Eu estudava em Gaza. Eu terminei o terceiro ano do ensino médio e comecei o primeiro ano da faculdade, mas a minha universidade foi atingida pelos israelitas e está destruída. Eu estudava na Islamic University em Gaza. Eu sempre sonhei em ser piloto de avião. Não sei, se eu voltar para o Brasil, se vou conseguir isso.

Aí em Gaza você se sente, como alguns dizem, dentro de uma prisão? Sim, viver dentro da Faixa de Gaza é uma prisão mesmo. É uma prisão que não é feita para humanos. É muito difícil viver aqui. Eu estava esperando fazer meus 18 anos para pegar minha irmã, sairmos daqui e voltarmos para o Brasil. Aqui não há vida. Com as guerras que acontecem, fica pior.

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Você tem parentes no Brasil? Meu pai não mora comigo. Eu sempre morei com a minha mãe e a minha irmã. A minha irmã se chama Shams, que significa sol. Minha irmã tem 14 anos. Meu nome, Shahed, significa mel. A maioria dos meus amigos no Brasil me chama de Mel. Eu tenho muitos amigos no Brasil, eu tenho amigos que são iguais à minha família. O meu contato com eles não parou. Eles são minha família.

Como é viver sob bombardeio? Estar aqui em Gaza, neste momento, numa situação dessas, é muito pior que os pesadelos. Você fica ouvindo os bombardeios e você sente que o próximo bombardeio vai te atingir. Toda vez que você ouve a bomba caindo, você já olha para a pessoa que você mais ama e dá aquele olhar, sabe aquele último olhar que você pode dar? Em qualquer momento você pode ser atingido e morrer. Você não sabe no que pensar, além de sobreviver. Você fica ouvindo as casas sendo atingidas, os gritos das crianças, das mulheres, você vê pessoas mortas, em pedaços. É terrível, é terrível.

Qual o sentimento de estar do lado da fronteira do Egito e não conseguir sair de Gaza? Eu estou com o resto dos brasileiros numa casa, bem perto da fronteira do Egito. O sentimento de ficar próximo da fronteira e não conseguir atravessar para o Egito é terrível. É ruim você ver pessoas entrando e saindo, e você não consegue sair. É muito pior quando você vê pessoas que entram no Egito, mas mandam eles de volta de novo. A gente fica desesperado, fica triste.

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Vocês tiveram acesso à ajuda humanitária? Sobre a ajuda humanitária, houve caminhões que entraram em Gaza, mas claro que o que entra não é suficiente para as pessoas. São mais de 2 milhões de pessoas na Faixa de Gaza. As ajudas humanitárias não chegam até o norte de Gaza, só chegam até o sul de Gaza, e a maioria das pessoas não conseguiu sair do norte ainda. Eles estão morrendo lá, não têm água, não têm internet, não possuem conexão com ninguém, não há energia elétrica. Eles estão simplesmente morrendo. Se eles não morrerem por causa de bombardeios, eles irão morrer de fome. Além disso, eles não conseguem atravessar Gaza e chegar até a parte sul da cidade, pois há muitos tanques jogando bombas no meio do caminho, entre o norte e o sul de Gaza.

bunkers para se esconder de bombas em Gaza? Aqui em Gaza não é igual a Israel. Aqui não há bunkers, não há locais seguros, não há onde se esconder, não há locais para se proteger, não tem nada. Ontem, no bairro que eu moro, que eu estou agora esperando a saída pela fronteira, jogaram uma bomba de fósforo branco, que é proibida internacionalmente, no mundo inteiro. Jogaram essa bomba aqui no bairro e ficou umas seis horas pegando fogo.

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