Que virada, pá: a vitória do Partido Socialista em Portugal
Em um pleito emboladíssimo, ninguém imaginava um resultado com maioria absoluta — e isso pode ser um trunfo para uma reviravolta na economia
Todas as pesquisas indicavam que a eleição em Portugal seria palco de mais um daqueles rounds apertados que se veem no parlamentarismo mundo afora. Mas eis que as urnas trouxeram uma surpresa: o Partido Socialista (PS), liderado pelo já primeiro-ministro António Costa, que andava ligeiramente atrás nos últimos dias, conquistou uma raríssima maioria absoluta no pleito de domingo 30: ficou com 117 das 230 cadeiras, seguido do Partido Socialista Democrata (PSD), que obteve bem menos que o esperado, 76. “A maioria não significa poder absoluto, não se trata de governar sozinho”, adiantou-se Costa, como bom articulador que é, avisando que vai conversar com outras legendas. Vitória tão acachapante, porém, lhe abre um caminho para pôr para a frente decisões-chave com pouco risco de que elas emperrem nos labirintos do poder. “Portugal está agora em um cenário de muito menos incertezas e mais estabilidade para a implementação de políticas públicas”, avalia Michele Napolitano, da agência de análise de risco Fitch Ratings.
Esse é um cenário inteiramente diferente do que o Partido Socialista encontrou em 2015, quando subiu ao poder graças a uma ampla coalizão à esquerda, composta do Partido Comunista (PC) e do Bloco de Esquerda (BE) — costura que ganhou o nome de Geringonça. Ela seria desfeita em novembro passado, quando os aliados votaram junto com a oposição vetando o Orçamento planejado por Costa para 2022. Foi justamente o impasse que desembocou em eleições um ano antes do previsto, pleito este que acabou castigando tanto o PC quanto o BE, que encolheram. Enquanto isso, uma agremiação ultrarradical de direita, batizada Chega e capitaneada pelo comentarista de futebol André Ventura, pulou de um para doze assentos e passou a ser a terceira maior força no Parlamento.
O socialismo de Costa, que fique claro, contém fortes tintas sociais-democratas — nada que faça lembrar aquela esquerda da Revolução dos Cravos que derrubou, em 1974, a ditadura inaugurada quatro décadas antes por António Salazar. Quando ele assumiu, em 2015, encontrou uma economia em frangalhos, um déficit público nas alturas e elevadas taxas de pobreza e desemprego, um quadro desolador que justamente lhe abriu as portas. No poder, Costa trabalhou em prol do equilíbrio das contas públicas, pôs o país em rota de crescimento e manteve o Estado presente e generoso. “Em Portugal, permanece a ideia de que o Estado precisa ter papel decisivo na economia e prover bem-estar”, pontua o cientista político Pedro Magalhães, da Universidade de Lisboa.
Os socialistas têm pela frente um período de variados desafios, mirando tempos melhores depois do baque provocado pela pandemia. Em 2020, o país encolheu 8,4%, o pior resultado registrado em seis décadas. O que deve aliviar a jornada de Costa é um aporte da União Europeia na casa dos 22 bilhões de euros, que começou a chegar no ano passado, uma dinheirama que entrará mais fácil nos cofres no atual cenário de menos trepidações no plano político. De acordo com os analistas, o montante, batizado por lá de bazuca, tem o poder de fogo para fazer o PIB subir de forma consistente. O maior quinhão das verbas financiará obras de infraestrutura e o restante será empregado na modernização de empresas, para as quais se prevê baixar a carga tributária de 21% para 17%. Bem-vindo ao socialismo à portuguesa.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775