Por que missa conjunta com o papa no Vaticano foi passo marcante para Charles III
O objetivo é tentar avançar no desafio de modernizar a monarquia — enquanto William não vem
Com a saída de cena de Elizabeth II, após longas sete décadas de reinado fiel às tradições e pródigo em relevar pecados familiares, coube ao novo soberano, Charles III, a inescapável tarefa de modernizar a monarquia britânica e inseri-la nos tempos atuais — tudo isso sem perder um pingo da majestade, essencial para a estabilidade da Coroa. Prestes a completar 77 anos, Charles vai tocando a missão sem grande entusiasmo: acenou para a diversidade étnica na cerimônia de coroação, pediu desculpas às antigas possessões no Caribe pelos danos do colonialismo e até condecorou as meninas do grupo de k-pop Blackpink. No último dia 23, em tom mais sério, o monarca deu um passo tão ensaiado quanto intrépido na trajetória de mudança: na Capela Sistina de Michelangelo, ao lado do papa Leão XIV, rezou uma missa conjunta católico-anglicana em inglês e em latim.
A cena carregada de simbolismo selou as pazes formais entre as duas religiões meio milênio depois de o rei Henrique VIII romper estrondosamente com o catolicismo de Roma e fundar a Igreja Anglicana, da qual se proclamou líder. “Trata-se de um momento histórico que sinaliza nossa disposição em ver uns aos outros como irmãos e irmãs, apesar das diferenças. É um recado importante para o mundo hoje”, disse Martin Browne, representante do Vaticano. Com o rito, Charles foi mais longe do que a mãe — Elizabeth se encontrou com cinco papas ao longo da vida, mas não rezou com nenhum deles.
Dias antes, o irmão-problema do rei, Andrew, havia anunciado a decisão de abrir mão do título de duque de York e das honrarias recebidas. “Resolvi, como sempre, colocar em primeiro lugar as minhas responsabilidades para com a minha família e o meu país”, afirmou, negando enfaticamente as acusações que o levaram ao ostracismo. Há anos que o príncipe Andrew é sugado pelo escândalo protagonizado pelo milionário americano Jeffrey Epstein, julgado e condenado por manter uma rede de exploração sexual de garotas, muitas menores de idade, e que depois se matou na cadeia. Nos tempos da rainha, de quem diziam ser o filho preferido, o rolo de denúncias fez com que perdesse os títulos militares e o lugar entre os senior royals, aqueles que efetivamente representam a monarquia.
A situação do príncipe se complicou ainda mais agora, com o lançamento de Nobody’s Girl, autobiografia póstuma de Virginia Giuffre (ela se suicidou em abril, aos 41 anos), a vítima que primeiro e mais insistentemente implicou Andrew no esquema de Epstein. “Ele achava que fazer sexo comigo era seu direito”, relata a certa altura. Seguiram-se novas e sórdidas revelações, como a de que, em 2011, pediu ao policial que fazia sua segurança para desenterrar podres sobre Giuffre (não há indícios de que a ordem foi cumprida). Também veio à tona o fato de haver hospedado Epstein na sua casa para a festa de 18 anos de sua filha Beatrice, dois meses depois de ele ser alvo de um mandado de prisão nos Estados Unidos. “Tudo isso é péssimo para a marca Windsor, que vinha tentando frear os danos recentes à sua imagem”, diz o historiador britânico Ed Owens. Charles, também aí, foi além de Elizabeth ao torcer o braço do irmão para abdicar do título — não por vontade pessoal, segundo as línguas afiadas de prontidão, mas pela necessidade de mostrar que na era carolina essas coisas não são aceitas.
Há poucos dias, em mais um esforço modernizante, o rei inaugurou o primeiro memorial do país destinado a militares da comunidade LGBTQIA+. Bem que ele se esforça, mas sem grandes resultados. Atualmente, apenas 51% dos britânicos dizem apoiar a manutenção da monarquia, o ponto mais baixo desde o início da série histórica. O próprio Charles viu sua popularidade minguar vinte pontos, também para 51%, desde que foi ungido, há três anos. As esperanças recaem sobre William e Kate, os príncipes de Gales, com aprovação na casa de 65%. Atribui-se a William a pressão decisiva para remover Andrew de vez das atividades reais (foi desconvidado até da missa de Natal) e a renovada campanha para que deixe o Royal Lodge, palacete nas cercanias do Castelo de Windsor, onde mora com a ex-mulher, e agora ex-duquesa, Sarah.
Em entrevista neste mês ao ator Eugene Levy para a série O Viajante Relutante, que viralizou porque ele chegou de patinete elétrico (mais moderno, impossível), o herdeiro do trono declarou em alto e bom som: “Mudanças não me assustam”. Segundo os tabloides, estão na sua mira a redução da pompa e o enxugamento de cargos cerimoniais. Mais retumbante ainda é a suposta disposição de remover títulos concedidos ou adquiridos ao nascer — caso de príncipe e princesa — das filhas de Andrew e, pasmem, do irmão Harry e toda a família dele. Para isso precisaria se acertar com o Parlamento, que tem essa prerrogativa. Seria o passo mais ousado na faxina real.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
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