Por que a Pensilvânia deve definir quem será o próximo presidente americano?
Estado pêndulo se tornou o principal campo de batalha entre Kamala Harris e Donal Trump
No topo de um dos edifícios mais tradicionais da Market Street, no centro da Filadélfia, vê-se uma foto da vice presidente Kamala Harris pedindo o apoio da comunidade latina. Poucos segundos depois, é a vez do painel digital exibir o nome de Donald Trump. Ainda que sejam apenas peças comuns de publicidade, a cena demostra o quanto a Pensilvânia, o berço da independência americana, no nordeste dos Estados Unidos, se tornou o estado mais disputado entre os dois candidatos à presidência.
Não há uma ação do partido democrata que não seja igualmente rebatida pelos republicanos. Na TV, a lógica é a mesma, com praticamente todos os intervalos comerciais alternando anúncios agressivos dos dois adversários. Não há segredo para explicar tanto empenho: entre os sete estados pêndulo, a Pensilvânia é o que pode decidir a eleição por congregar 19 delegados no colégio eleitoral. Quem conquistar a preferência do eleitor fica mais perto de obter os 270 votos necessários na votação indireta que elege o presidente, pelo sistema americano.
Não à toa, Harris e Trump irão se revesar na reta final com comícios e eventos pelo estado. Na segunda-feira, a vice-presidente irá realizar um comício na frente do Museu de Arte da Filadélfia, um dos cartões postais mais famosos da maior cidade do estado (aquele em que Silvester Stalone sobe a escada correndo, em Rocky). Já Trump vai fechar a campanha em Pittsburgh, segundo maior polo urbano, profundamente marcado pela desindustrialização.
Um eleitorado em mudança
Durante 20 anos, entre 1992 e 2012, a Pensilvânia pendeu mais para os democratas, integrando o chamado muro azul (em alusão à cor do partido), dada a identificação dos sindicatos e movimentos trabalhistas com essa corrente política. Michigan e Wiscosin , dois outros swing states, eram os dois outros tijolos dessa parede que parecia impenetrável para os republicanos. A coisa começou a mudar quando Trump entrou no jogo em 2016 e venceu a batalha do norte por poucos pontos, graças à força demonstrada fora das grandes áreas urbanas. Em 2020, Biden voltou a recuperar a vantagem, mas também por margem estreita: pouco mais de 1%.
O que vai acontecer agora é realmente um mistério. Nenhum estado americano está sendo tão escrutinado pelos institutos de pesquisa quanto a Pensilvânia. Em todas, há um empate técnico dentro da margem de erro. O número de indecisos também é recorde, o que tem levado a fortes mobilizações dois dois lados do espectro político. O desafio é desenhar diversas estratégias para abordar diferentes perfis demográficos deste canto dos Estados Unidos; Ele é geograficamente grande e populoso, com uma mistura de áreas urbanas, subúrbios – mais propensos a Harris – e cidades de médio porte e regiões rurais consideráveis, que tendem a optar por Trump.
Desigualdade
Embora esteja localizada em uma área próspera dos Estados Unidos, a Pensilvânia exibe contrastes marcantes. Pelas ruas do charmoso centro da Filadélfia, onde a arquitetura moderna convive com opulentos prédios históricos, muitos moradores de rua, claramente sobre efeito constante de drogas, se aglomeram.
À medida em que a noite cai, muitos se acomodam nas marquises dos prédios, pontos de ônibus e tampas de bueiros que são também saída de vapor, uma maneira de espantar o frio dessa época do ano. Eles disputam lugar nas calçadas com pastores evangélicos que acendem incensos e fazem da rua seu púlpito nos finais de tarde, enquanto as pessoas saem do trabalho e se dirigem para as linha de metrô.
Já nos subúrbios, a realidade é diametralmente oposta. À medida em que o centro vai ficando para trás, as casas típicas da classe trabalhadora (muitas abandonadas) vão dando lugar à paisagens bucólicas, com mansões cercadas de grama verde, e enormes olmos no quinal que, no outono ficam multi coloridos. Na beira da estrada, concessionárias de marcas de luxo, como Ferrari e Mc Laren disputam a atenção dos motoristas. VEJA visitou o condado de West Chester, nos arredores de Filadélfia, onde democratas e republicanos se mobilizam.
“É a eleição mais importante da minha vida” diz que Nanci Lorback, 78 anos, uma professora aposentada do . Há mais de três décadas ela vota nos democratas e esse ano se voluntariou para ligar para eleitores e tentar persuadi-los a comparecer às urnas. “Trump só quer que pessoas como ele tenham sucesso e isso é muito triste”.
A menos de três quadras da casa de uma senadora estadual democrata, que abriu suas portas para esse tipo de atividade, Janine Baker, 86 anos , Nikole Baker, 61 anos, mãe e filha, pregam o fim do aborto legal na calçada de uma das ruas mais movimentadas do condado. Ambas votam em Trump. “Ele representa valores conservadores, foi o presidente mais pró-vida que os Estados Unidos já elegeram”, justifica Nicole.
Demografia
A Pensilvânia segue o mesmo perfil demográfico de outros campos de batalha do norte. A população, em geral, é mais branca do que a do resto país como um todo – cerca de 73%, em comparação com 53% em nível nacional. É dentro desse segmento que se concentra uma notável parcela do eleitorado que tem feito a diferença nos últimos pleitos: eleitores sem diploma universitário, que representaram quase a metade de quem compareceu às urnas em 2020. Tal grupo, principalmente a parcela masculina, passou a pender mais para o lado republicano nos anos Trump.
Já os democratas apostam na cidade fortemente democrata da Filadélfia. Se nos subúrbios, com população mais educada. se moveu para esquerda, a cidade foi na direção contrária. Segundo as pesquisas, a vantagem dos democratas caiu cerca de 4 pontos em cada um dos últimos dois ciclos presidenciais, de 71 pontos em 2012 para 63 pontos em 2020.
Quem tem feito a diferença são os negros, que, em todo estado, se concentram em Philly. Visivelmente, eles vivem nas áreas mais precárias da cidade e ocupam os cargos de menor remuneração. Segundo as pesquisas recentes , 79% optam por Harris, frente a 17% da preferência de Trump. Apesar da vantagem clara, os números estão bem abaixo da vitória obtida por Biden em 2020, que foi de 92% a 7%, entre esse estrato.
Outro grupo que passou a tender a Trump são os latinos. Harris lidera apenas por 54% a 41% entre os eleitores hispânicos, que representam apenas 5% do total do estado, mas em margens tão estreitas podem fazer a diferença. Não à toa, os democratas intensificaram campanha nas comunidades latinas explorando ao máximo o fato de um comediante ter comparado Porto Rico a uma ilha de lixo flutuante, durante um comício de Trump, em Nova York.
Se o desfecho é incerto, os analistas concordam em afirmar que quem ganhar na Pensilvânia fica muito próximo de vencer a eleição. Nos últimos dias, uma obviedade ganhou importante significado nas bocas de republicanos e democratas: “cada voto conta”. Será apertado.