Pacto mundial contra poluição por plástico colapsa com fracasso em negociações da ONU
Representantes de 184 países não conseguiram resolver impasse entre restringir a produção do material ou focar em reciclagem

As negociações sobre um tratado global de combate à poluição por plástico terminaram nesta sexta-feira, 15, sem qualquer tipo de acordo. Reunidos pelas Nações Unidas, representantes de 184 países dialogavam em Genebra, na Suíça, desde o dia 5 de agosto. Inicialmente previstas para encerrar na quinta-feira 14, as conversas se estenderam noite adentro devido ao impasse entre restringir a produção do material ou aumentar o foco na reciclagem. Cerca de 619 organizações observadoras e representantes da sociedade civil também participaram das negociações.
“Os plásticos são fundamentais para a vida moderna. A prioridade aqui deveria ser acabar com a poluição, não com a produção deles”, afirmou o presidente da America’s Plastic Makers, Ross Eisenberg. A empresa faz parte da indústria de produção de plástico nos Estados Unidos, setor que argumenta que a melhor forma de resolver o problema é aprimorar a infraestrutura de coleta e reciclagem de resíduos.
Esse pensamento é apoiado por países petrolíferos, como Rússia e Arábia Saudita, uma vez que a produção de plástico, feita a partir de combustíveis fósseis, é vista como uma parte vital de suas economias, principalmente em um momento de transição energética.
“Mesmo que consigamos aumentar a reciclagem para 15, 20, 30% nas próximas décadas, continuaríamos tendo uma quantidade substancial poluindo o meio ambiente e prejudicando a saúde humana”, rebate o professor associado do Imperial College London, Costas Velis. Ele expõe o ponto de vista de muitos pesquisadores, que acreditam que o foco na reciclagem é falho. Atualmente, as taxas globais são de apenas 10%, incapazes de atender as necessidades criadas por uma indústria que produziu 475 toneladas de plástico em 2022 — numero que tende a continuar aumentando.
A abordagem que visa a restrição da produção é apoiada por cerca de 100 países, incluindo os membros da União Europeia e o Reino Unido. Além de pressionar pela diminuição, o grupo pede um design de produtos mais sustentável a nível global para facilitar a reciclagem e a cobrança de taxas sobre plásticos para custear o processo.
A falta de progresso da reunião desagradou grupos ambientalistas, que acusaram os estados petrolíferos de priorizar o lucro em detrimento da saúde do planeta. “A incapacidade de chegar a um acordo em Genebra deve ser um alerta para o mundo: acabar com a poluição plástica significa confrontar os interesses dos combustíveis fósseis de frente”, declarou o chefe da delegação do Greenpeace, Graham Forbes.
Essa foi a sexta rodada de negociações desde a primeira reunião para tratar sobre o assunto, que aconteceu no Uruguai, em 2022. As conversas começaram como uma resposta às crescentes evidências científicas dos riscos do desgaste plástico ao longo do tempo, com o material se decompondo em porções menores que afetam o meio ambiente e a saúde humana. Originalmente, os países deveriam chegar a um acordo até dezembro de 2024. O prazo, evidentemente, não foi cumprido. Segundo o presidente das negociações, Luis Vayas, do Equador, as conversas serão retomadas em uma data posterior.
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Perigo invisível
Os chamados microplásticos — partículas minúsculas do material, resultantes da degradação e invisíveis ao olho humano — foram detectados por pesquisadores no ar, no solo, em rios e até em órgãos do corpo humano. Um estudo publicado em 2024 no New England Journal of Medicine detectou plásticos em placas ateroscleróticas removidas de artérias carótidas. A presença dessas partículas foi associada a um risco maior de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) ou morte em um período de 34 meses, em comparação a pacientes cujas placas estavam livres de plástico.
Já um trabalho publicado em fevereiro na Nature Medicine confirmou a presença de microplásticos nos cérebros, rins e fígados de cadáveres. As partículas foram encontradas em todos os tecidos cerebrais analisados, com predominância do polietileno, material de sacolas plásticas e embalagens de alimentos.
“A situação está em um ponto muito crítico, porque já passou de uma poluição externa, de vermos plástico espalhado por todo lugar e principalmente nos oceanos. Agora também é algo que está dentro de todos nós”, resume a enfermeira Lis Leão, pesquisadora sênior do Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, do Einstein Hospital Israelita, e editora do livro Natureza, Clima e Saúde Pública (2024).
O alerta também vem da Organização Mundial da Saúde (OMS): embora reconheça que as evidências sobre os riscos ainda são limitadas, a entidade classifica os microplásticos como contaminantes emergentes e recomenda mais pesquisas, além de medidas para reduzir a exposição. Em 2022, a OMS reforçou a necessidade de monitoramento contínuo e advertiu que, mesmo sem comprovação direta de danos à saúde, o simples fato de essas partículas estarem sendo detectadas em órgãos humanos é motivo suficiente para preocupação.