Os protestos contra a ofensiva dos EUA que pode banir o TikTok
Usuários revoltados saem às ruas em meio ao avanço de projeto de lei que pode tirar do ar a rede social em nome da segurança nacional
Já abriu seu TikTok hoje? Pode imaginar a vida sem ele? Pois a ameaça pesa sobre a cabeça dos 170 milhões de americanos que acessam diariamente o aplicativo depois que a Câmara dos Deputados, em um raríssimo consenso entre republicanos e democratas, aprovou por 352 votos a 65 um projeto de lei que proíbe as empresas de distribuir, manter ou atualizar aplicativos “controlados por um adversário estrangeiro” — no caso, a China, terra natal da dona do TikTok, a ByteDance, e rival dos Estados Unidos na ferrenha batalha pela hegemonia global. A briga está só começando e muitos vídeos de dancinhas ainda vão rolar na plataforma antes que o Congresso decida a questão. E mesmo depois disso, se a lei for promulgada e impedir o TikTok de existir tal qual o conhecemos, a Justiça certamente será acionada para se pronunciar sobre o suposto atropelo da sagrada liberdade de expressão — ainda que em prol da segurança nacional. A simples ameaça, porém, já levou usuários revoltados às ruas, em manifestações ruidosas convocadas, claro, pela rede social.
O TikTok tem hoje 1,5 bilhão de usuários e é a quinta maior rede social — um feito e tanto para uma plataforma lançada internacionalmente há apenas sete anos (a campeã, o envelhecido Facebook, com 3 bilhões, acabou de completar duas décadas). Segundo seus detratores, entre eles o diretor do FBI, Christopher Wray, e o presidente Joe Biden, que anunciou assinar a lei se ela chegar à sua mesa (embora, rendendo-se às exigências de campanha, tenha um perfil lá), o aplicativo representa séria ameaça à soberania e aos interesses dos americanos, por expor dados privados ao governo da China, que também estaria manipulando as postagens.
O projeto, que está no Senado (aparentemente bem menos propenso à sua aprovação), dá à Casa Branca o poder de vetar plataformas de comunicação com mais de 1 milhão de usuários administradas fora do país. No caso do TikTok, a ByteDance, gigante de tecnologia avaliada em 270 bilhões de dólares, teria 180 dias para vendê-lo a uma empresa americana. Caso contrário, o TikTok seria removido das lojas de aplicativos. “A proibição, se acontecer, deve resultar em uma piora da guerra comercial entre China e Estados Unidos”, diz James Lewis, do Center for Strategic and International Studies, de Washington.
O argumento para punir o TikTok é que ele não resguarda a privacidade dos usuários do tremendo sistema de patrulhamento digital do Partido Comunista chinês. Pela mesma razão, países como Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e os próprios Estados Unidos já vetam o aplicativo nos celulares de uso de parlamentares e funcionários públicos. A máquina do PC também teria meios de, através do TikTok, manipular a opinião pública, espalhar fake news e interferir em votações. Levantamentos apontam, por exemplo, que, desde o ataque do Hamas em Israel, os vídeos com hashtags pró-Palestina ganharam muito mais visualizações do que os favoráveis a Israel. Já tópicos sensíveis para o governo chinês, como os protestos em Hong Kong e o massacre na Praça da Paz Celestial, misteriosamente não aparecem na plataforma que ecoa tudo, a todo momento.
A primeira investida americana contra o TikTok aconteceu durante o governo de Donald Trump, que, na sua furiosa ofensiva comercial contra a China, primeiro teve a ideia de obrigar a ByteDance a vender a plataforma. Para apaziguar os ânimos, a empresa passou a armazenar dados de usuários na americana Oracle e abriu uma subsidiária com sede em Los Angeles. Agora Trump, com os olhos pregados na eleição de novembro, mudou de tom: diz que “os jovens ficariam malucos” com a proibição e que o TikTok tem função importante na contenção do Facebook, para ele o verdadeiro inimigo da nação. Em última instância, a ByteDance certamente vai recorrer aos tribunais. Em suma: o caso pode se arrastar tanto tempo que, quando for decidido, o TikTok poderá já ter saído de moda.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885