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Os custos da homofobia para o desenvolvimento

Na África, multiplicam-se os custos econômicos da discriminação aos gays

Por Adebisi Alimi
24 jun 2014, 13h36

Como um homem gay que vive na Nigéria, meu maior desafio foi escolher entre minha sexualidade e meu trabalho.

Em 2004, estava no início da minha carreira de ator. Eu tinha acabado de sair da Universidade, e fui destaque em “Roses and Thorns” (“Rosas e Espinhos”), uma novela do horário nobre na Galaxy Television, uma das mais populares emissoras de TV da Nigéria. Estava fazendo o papel de “Richard”, filho único de uma família rica que estava tendo um caso com a empregada da casa.

Fofocas rondavam minha vida privada, e decidi que era hora de “sair do armário”. Então concordei em participar de um programa de TV, o mais assistido da Nigéria, para discutir minha sexualidade.

Quase que imediatamente, meu personagem foi eliminado. E quando meu trabalho desapareceu, também desapareceu a minha segurança financeira. Como muitos gays e lésbicas na África, a minha escolha foi entre a liberdade econômica e a prisão mental.

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Este ano, Nigéria e Uganda promulgaram leis draconianas antigays, provocando um debate mundial sobre os direitos humanos. Este debate também teve início no Banco Mundial, cujo Presidente, Jim Yong Kim, declarou recentemente que “a discriminação institucionalizada é ruim para as pessoas e para as sociedades”.

A declaração de Kim suscitou críticas e controvérsias. Muitas vezes, como em Uganda e Nigéria, ouvimos a alegação de que a oposição à discriminação oficial contra gays, lésbicas, bissexuais e transexuais (LGBT) é simplesmente uma maneira de impor os valores “ocidentais” na África. Mas isso pressupõe que a homossexualidade é “não-africana”. E, apesar da ausência de provas que qualquer dado país ou continente não tenha pessoas LGBT (e ampla evidência ao contrário), é esta suposição que um número crescente de líderes africanos tem aceitado.

Em 2006, Olusegun Obasanjo, então presidente da Nigéria, foi um dos primeiros a fazê-lo. O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, seguiu o exemplo ao aprovar o projeto de lei anti-gay em 2014. Outros líderes, do presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh, a Robert Mugabe, do Zimbabwe, têm seguido a mesma postura.

Essas atitudes oficiais causaram grande sofrimento para gays e lésbicas da África. De fato, o preço da homofobia para gays em muitos países africanos é dolorosamente evidente: penalidades legais, ostracismo social e justiça pelas próprias mãos.

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Mas é aqui que os líderes anti-gays na África perdem: as proteções jurídicas são não só uma questão de direitos humanos, mas também uma questão econômica. Kim está extremamente certo e uma pesquisa começou a medir os custos econômicos da homofobia através da exploração de conexões entre o sentimento anti-gay e a pobreza em países onde as leis e atitudes sociais condenam relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

M.V. Lee Badgett, economista da Universidade de Massachusetts-Amherst, apresentou os resultados iniciais de um estudo sobre as consequências econômicas da homofobia na Índia, em uma reunião do Banco Mundial em março de 2014. Badgett estimou que a economia indiana pode ter perdido até 23,1 bilhões em 2012 somente em custos diretos de saúde, devido à depressão, suicídio e desigualdades no tratamento do HIV causadas pela discriminação e o estigma contra os homossexuais.

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Além de tais custos concretos, ser homossexual pode trazer violência, rejeição familiar, perda de emprego, assédio nas escolas e pressão por casamento. Como resultado, muitos homossexuais têm menos educação, menor produtividade, salário mais baixo, saúde mais precária e uma expectativa de vida menor.

Na Nigéria, iniciei o Projeto Independente para Direitos Iguais (Tiers, na sigla em inglês) em 2005 para dar resposta ao crescente número de pessoas que estavam perdendo seus empregos por causa de suspeitas sobre sua sexualidade. Durante nosso primeiro ano, apoiamos dezenas de pessoas. Um rapaz, “Olumide”, recebeu uma moradia temporária depois que sua família o expulsou de casa por ser homossexual. Outro jovem, “Uche,” foi demitido de seu emprego como chef, após sua sexualidade ter sido revelada. A Tiers o ajudou com acomodações e com capital para montar um negócio na área de alimentação. Após quase 10 anos, ainda não é seguro usar seus nomes verdadeiros.

Em toda a África, multiplicam-se os custos econômicos da discriminação, em consonância com a crescente pressão sobre os empregadores, proprietários, prestadores de serviços de saúde, instituições educacionais e outros para excluir as pessoas LGBT.

Hoje, o Banco Mundial e outras agências de desenvolvimento estão mapeando as prioridades de desenvolvimento global que irão acompanhar os objetivos de desenvolvimento do Milênio (MDGs), que termina oficialmente em 2015 e inclui metas específicas para promoção da igualdade de gênero e capacitação das mulheres como estratégia para o crescimento econômico. Olhando para o futuro, o Banco deve seguir a mesma abordagem de direitos LGBT e criar mecanismos de proteção legal para orientação sexual e identidade de gênero como condição para os países receberem empréstimos.

Promover o reconhecimento dos direitos da mulher nos objetivos do Milênio não corrompeu as culturas africanas, impondo valores “ocidentais”. Na verdade, fortaleceu muitos países africanos, que agora lideram o mundo em representação de mulheres no governo. Adotando proteção semelhante para as pessoas LGBT, ajuda e investimento internacional podem melhorar o desempenho econômico e reforçar o respeito pelos direitos humanos fundamentais.

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O Banco Mundial, sempre cauteloso ao enredar-se em questões “políticas”, enfatiza que não é um elemento que impõe os direitos humanos de maneira global. Mas também cada vez mais reconhece o seu próprio papel como facilitador em ajudar seus acionistas a perceber suas obrigações em relação aos direitos humanos. Os direitos LGBT devem ser um teste.

Ajudar aos governos que permitem que grupos sociais específicos sejam levados ao ostracismo pode levar a custos econômicos muito reais. À medida que novos empréstimos são considerados, devem ser tomadas ações para garantir que os benefícios sejam os mais inclusivos possíveis.

Se o Banco – que atualmente empresta à Nigéria quase 5,5 bilhões e espera comprometer 2 bilhões adicionais em cada um dos próximos quatro anos – movimentou-se nesta direção, outros financiadores podem seguir os mesmos passos. As pessoas LGBT da África precisam desesperadamente desses poderosos aliados na sua luta pelos direitos humanos e econômicos.

Adebisi Alimi (@bisialimi), defensor LGBT e ativista, fugiu para ao Reino Unido após sofrer um atentado na Nigéria. Ele é um 2014 Aspen New Voices Fellow no Instituto Aspen.

© Project Syndicate, 2014

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(Tradução: Roseli Honório)

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