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Olimpíadas 2021: Japão é medalhista em desigualdade de gênero

Apesar de ser terceira maior economia mundial, presença limitada de mulheres em cargos de poder e cultura machista ainda prejudicam desenvolvimento do país

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jul 2021, 12h38 - Publicado em 21 jul 2021, 08h00

Palco dos Jogos Olímpicos de 2021, o Japão é pioneiro em áreas como tecnologia e educação. Mas quando se trata do tratamento dado às mulheres, o país asiático ainda tem um longo caminho pela frente. Segundo o ranking global de igualdade de gênero divulgado em março pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), os japoneses ocupam a posição 120 de um total de 156 países analisados.

A nação ainda está à frente de locais onde as mulheres são submetidas a condições muito mais degradantes, como Afeganistão, Irã, Arábia Saudita e Índia, mas ganha manchetes em todo o mundo com frequência por colocar o sexo feminino em situação desconfortável. Em 2021, a própria organização japonesa dos Jogos de Tóquio foi destaque por polêmicas envolvendo o machismo.

Em fevereiro, o então chefe das Olimpíadas de Tóquio e ex-primeiro-ministro do Japão Yoshiro Mori renunciou ao cargo após fazer comentários sexistas que causaram polêmica dentro e fora do país. Aos 83 anos, Mori criticou as reuniões executivas com muitas mulheres, dizendo que demoram muito. “Quando você aumenta o número de mulheres, se o tempo para falar não é limitado, elas têm dificuldade para terminar, o que é muito irritante”, disse, em um evento que debatia justamente o aumento da presença feminina na organização dos Jogos.

O chefe das Olimpíadas recebeu muitas críticas por seu comentário, e ao tentar se explicar acabou piorando a situação e afirmando que não conversa muito com as mulheres. “Ultimamente, não as ouço muito”, declarou. Depois de grande pressão internacional, foi obrigado a deixar seu cargo.

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Mas a polêmica não acabou aí. Quando emissoras e jornais de todo o mundo noticiaram que Mori havia escolhido outro homem de 80 anos para substituí-lo, as mulheres de todo o país pediram por um processo de indicação mais transparente, que resultou na nomeação de Seiko Hashimoto. Aos 56 anos, a política japonesa foi ministra dos Jogos Olímpicos e atleta olímpica de patinação de velocidade.

Presidente do comitê dos jogos de Tóquio renuncia com pedido de desculpas e diz que o evento não será adiado novamente
Yoshiro Mori, do Comitê Organizador dos Jogos de Tóquio (Kazuhiro Nogi/AFP)

A mudança no posto foi vista como uma espécie de vitória para as mulheres, mas especialistas e analistas políticos admitem que a renúncia de Mori não chega perto de começar resolver o problema da desigualdade de gênero no Japão. A governadora de Tóquio, Yuriko Koike – a primeira mulher eleita para o cargo e uma das poucas a ocupar uma posição de poder no país -, admitiu que o país tem um “grande problema” com o machismo. “A missão da metrópole e do comitê organizador é preparar Jogos que sejam seguros, e estamos enfrentando um grande problema”, afirmou após a troca de poder no comitê olímpico.

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Disparidade salarial e representação na política

Apesar de o país ser a terceira maior economia mundial, a presença limitada de mulheres em posições de poder ainda é um dos principais “tetos de vidro” do Japão. Em termos de participação econômica e oportunidade no mercado de trabalho, os japoneses também estão entre os piores do mundo, na posição 117 de um ranking de 156 nações, atrás de países como Mianmar e Venezuela.

Ainda que as taxas de participação feminina no mercado de trabalho tenham crescido nos últimos anos, a situação está longe do ideal. Em 2015, o governo chegou a divulgar uma série de políticas que visavam melhorar a situação das mulheres na sociedade, incluindo uma meta ambiciosa para que as mulheres ocupassem 30% dos cargos de liderança até 2020.

O objetivo não chegou nem perto de ser cumprido. As mulheres são responsáveis atualmente por 37% dos postos de trabalho ocupados, mas ainda representam apenas 14,7% das posições de direção e gerência. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos elas são 42%, de acordo com o índice do Fórum Econômico Mundial.

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Quando se trata de representação política, os dados também são preocupantes. Apenas 5,9% dos cargos de nível de diretoria no governo do Japão são de pessoas do sexo feminino. No Parlamento, somente 46 dos 465 deputados são mulheres – cerca de 10%, um número bastante inferior à média global de 25% – e nos últimos 50 anos o país não teve nenhuma chefe de Estado mulher.

Em 2014, o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe nomeou cinco ministras em seu gabinete. Esse número, porém, encolheu a cada novo governo subsequente, e atualmente há apenas duas mulheres no comando das 20 pastas.

Mesmo depois da renúncia embaraçosa de Yoshiro Mori em fevereiro, o governo teve que correr para conter os estragos de um segundo escândalo envolvendo declarações machistas. Poucos dias após o caso do chefe dos Jogos Olímpicos, a maior legenda política do país, o Partido Liberal Democrata (LDP), anunciou que convidaria cinco parlamentares para suas reuniões de cúpula para tentar combater a desigualdade, mas ressaltou que elas poderiam apenas observar em silêncio.

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Toshihiro Nikai, o secretário-geral do LDP de 82 anos, disse em entrevista coletiva que queria trazer uma perspectiva feminina para as reuniões. Ele afirmou estar ciente das críticas à dominação masculina na diretoria eleita do partido – dos 25 membros, 22 são homens – e justificou que é importante que as mulheres da legenda “observem” o processo de tomada de decisão. “É importante entender completamente que tipo de discussão está acontecendo. Dar uma olhada, é sobre isso que se trata”, disse.

Cultura sexista

Segundo especialistas, um fator chave para explicar a atual situação do Japão é a forma como os papéis tradicionais de gênero ainda exercem função importante no país. Historicamente, a sociedade japonesa é bastante patriarcal e prova disso é que a monarquia nacional não permite que uma mulher assuma o trono do Crisântemo – a situação tem gerado grande debate, já que o imperador Naruhito só tem uma filha e nenhum herdeiro do sexo masculino.

Após a Segunda Guerra Mundial, as esposas foram ainda mais incentivadas a ficar em casa e cuidar da família, enquanto seus maridos ‘trabalhadores’ dedicavam a vida à empresa. O costume estimulou um modelo que ainda é comum atualmente: uma pesquisa de 2020 mostrou que as mães ainda fazem 3,6 vezes mais tarefas domésticas do que os pais.

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O padrão e a cultura de trabalho resistente a mudanças no país faz com que muitas mulheres parem de trabalhar depois de ter filhos ou optem por empregos de meio período, que geralmente não levam a promoções.

A divisão repressora agora impacta o crescimento populacional. Algumas mulheres, diante da perspectiva de desistir da carreira ao serem mães, estão tendo menos filhos ou mesmo nenhum. A taxa de natalidade do Japão está atualmente em 1.34 bebês por mulher, uma das mais baixas do mundo. O número de casamentos também está despencando: os registros de matrimônio caíram 12,3% no ano passado, chegando a 525.490, também um recorde pós-guerra.

Os toques inapropriados das passageiras durante a hora de pico no transporte público ou a sexualização das mulheres asiáticas pelos próprios japoneses ou por homens ocidentais também compõem o cenário. Nas empresas, há ainda inúmeros relatos de casos de assédio que terminam sem qualquer tipo de punição ou funcionárias que preferem ficar em silêncio por medo de represália.

Há anos o país também discute e tropeça na aprovação de leis que favorecem as mulheres. Legislações brandas para proteção de funcionárias diante de abuso de poder e assédio foram aprovadas, mas pouco mudaram no dia a dia das empresas.

Atualmente, o Parlamento de maioria masculina discute a mudança em uma lei que impede as mulheres de manter seu nome de solteira após o casamento. Em todo o país, as japonesas pedem o fim da medida, alegando que ela é arcaica e prejudica a individualidade das esposas. Durante as audiências, membros do LDP do primeiro-ministro Yoshihide Suga disseram que a sugestão era inaceitável porque causaria “confusão”.

No final do mês passado, um segundo oficial olímpico de alto perfil de Tóquio também teve que renunciar devido a comentários sexistas. O diretor de criação Hiroshi Sasaki sugeriu que seria apropriado vestir a comediante plus size japonesa Naomi Watanabe como um porco para a cerimônia de abertura e chamá-la de “Olympig” (uma junção das palavras Olimpíadas e porco, em inglês).

Ainda há um longo caminho a ser percorrido na estrada da igualdade de gênero no Japão.

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