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O que você precisa saber sobre o referendo na Turquia

A consulta popular decidirá se a Turquia mantém o regime parlamentarista ou altera a constituição e instaura o presidencialismo

Por Angela Nunes Atualizado em 16 abr 2017, 15h14 - Publicado em 15 abr 2017, 07h53

Turquia realiza neste domingo, dia 16 de abril, um referendo que pode mudar o regime político do país e fortalecer os poderes do presidente Recep Erdogan. A consulta popular decidirá se a Turquia mantém o regime parlamentarista ou altera a constituição e instaura o presidencialismo.

Uma vitória da opção pela reforma política coloca em risco a democracia turca, fragilizada nos últimos anos por medidas autoritárias, perseguição política e cerco à liberdade de expressão, promovidos por Erdogan. Também deve agravar o desgaste nas relações internacionais, especialmente com os países europeus.

A disputa está acirrada. A poucos dias da votação, pesquisas apontam ora para a vitória do “sim”, ora para do “não”. As últimas sondagens dão a vitória a Erdogan por um ponto percentual de diferença. O destino do país estaria, assim, nas mãos dos indecisos, que somam 10% dos 55,3 milhões eleitores.

Pouca gente, no entanto, aposta na derrota do presidente turco. A massiva propaganda governista que cobre as ruas relembra os avanços econômicos que marcaram o país desde o primeiro governo de Erdogan. Ao mesmo tempo, os críticos acusam o partido governista de recrudescer a repressão contra os opositores e de manipular e fraudar o referendo.

O que muda

Caso aprovada pela população, a alteração na constituição será profunda. A ampliação dos poderes presidenciais proposta vai muito além da extinção do cargo de primeiro-ministro, hoje ocupado por Binali Yildirim.

Com a reforma, Erdogan passará a interferir diretamente nos poderes Executivo e Judiciário. Será responsável por nomear ministros, escolher um ou mais vice-presidentes e selecionar membros do Alto Conselho de Juízes e Fiscais (HSYK).

O presidente poderá ainda instaurar estado de emergência – condição que suprime oficialmente liberdades individuais e fornece uma espécie de salvo-conduto para o uso da força – sem necessidade de aprovação do Parlamento.

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O mandato presidencial passará a ter cinco anos, um a mais do que no modelo atual, e permitirá uma única reeleição. Como desconsiderará o regime vigente, isso significa que Erdogan poderia manter-se na presidência até 2029.

Ascensão a ao poder

Aos 63 anos, Erdogan tem uma trajetória controversa. Eleito primeiro-ministro em 2002, foi duas vezes reeleito, em 2006 e 2011, até se tornar presidente, em 2014.

Durante seus dois primeiros governos, a Turquia registrou um crescimento econômico inédito, tornou-se a 17ª maior economia do mundo e ganhou relevância e respeito no cenário internacional.

Com o declarado objetivo de tornar o país membro da União Europeia, Erdogan consolidou a democracia turca, garantindo as liberdades civis e religiosas e a autonomia dos poderes.

Reviravolta política

A partir de 2011, no entanto, Erdogan, aos poucos, se afastou dos ideais democráticos. Diminuiu os poderes do exército, passou a interferir no Judiciário e no Executivo, exacerbou seu posicionamento religioso e iniciou uma dura perseguição aos opositores.

As ações levaram a uma crescente insatisfação de parte da população, até que, 2013, uma onda de protestos se espalhou pelo país – e foi brutalmente reprimida.

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Em 2015, Erdogan enfrentou sua primeira derrota política e perdeu a maioria absoluta do Parlamento. O fato enfureceu o líder turco, que pouco depois reiniciou a guerra contra o opositor curdo Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

Desde então, a escalada da violência tem sido crescente. Na ultima terça-feira o PKK, braço armado da oposição, matou três pessoas e deixou 12 feridos nesta terça-feira, em um atentado a um posto policial em Diyarbakir, principal cidade curda da Turquia.

A tentativa de golpe

Em julho do ano passado, uma atrapalhada tentativa de golpe sacudiu a Turquia e acabou, ironicamente, beneficiando o governo de Erdogan.

Nos menos de cem anos desde a fundação da República da Turquia, em 1923, o país sofreu quatro golpes militares, sendo o mais recente em 1997. O Exército que tentou derrubar Erdogan, no entanto, estava enfraquecido por cinco anos de perseguições, que afastaram e prenderam seus membros mais experientes.

O amadorismo da tentativa foi tanto – o presidente sequer estava no país quando a rebelião eclodiu – que os opositores ainda hoje denunciam que teria sido um falso golpe, arquitetado por Erdogan para obter apoio popular e justificar o uso de medidas autoritárias contra seus inimigos.

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Desde a fracassada tentativa, que Erdogan classificou como “um presente” para ele, estima-se que mais de 50 mil pessoas tenham sido presas e outras 100.000 demitidas ou suspensas de seus cargos, incluindo militares, juízes e jornalistas, por se oporem ao governo.

União Europeia

As relações internacionais da Turquia vêm se deteriorando na mesma medida em que aumenta o autoritarismo de seu presidente. O ingresso do país na União Europeia (EU), uma das principais bandeiras políticas de Erdogan nos primeiros anos de governo, está cada vez mais distante.

Sem um regime democrático nos padrões europeus, as chances de aceitação do país pelo bloco praticamente se extinguem. Adicionalmente, em declarações recentes, o presidente turco afirmou que o país pode ter um segundo referendo após a votação de sábado, com o objetivo de decidir sobre a continuidade das negociações para entrada no bloco.

O controverso líder se evolveu em uma crise diplomática no último mês, com Holanda e Alemanha. Os dois países cancelaram comícios planejados pelo governo turco para convencer expatriados turcos a votarem a favor do presidencialismo no referendo.

Ambos justificaram a proibição dos eventos com os riscos de segurança. Erdogan reagiu com acusações de “nazismo” e “fascismo”, provocando não apenas os dois países, mas toda a União Europeia que se enfureceu com suas declarações.

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Ligações Perigosas

Apesar do embate com as nações europeias e da perda de relevância no cenário econômico global, a Turquia tem imensa importância geopolítica. O país faz fronteira com oito nações, entre elas Síria, Irã e Iraque.

Além de enfrentar os curdos e o Estado Islâmico – tanto em seu território quanto nos países vizinhos – Erdogan se opõe fortemente ao governo de Bashar Assad e apoiou o recente ataque dos Estados Unidos à base aérea síria.

A manutenção de tropas na Síria e no Iraque tem sido cada vez mais custosa para a Turquia. O país também abriga mais de 3 milhões de refugiados da guerra síria, situação economicamente insustentável. Um acordo com a União Europeia os mantém longe dos países europeu, mas após a polêmica com Holanda e Alemanha, seu ministro do interior, Süleyman Soylu, aproveitou para ameaçar o envio de 15.000 refugiados por mês para a Europa.

O flerte com o extremismo religioso de Erdogan completa o frágil cenário geopolítico em que o país se insere. Em 2011, o líder compartilhou sua vitória nas eleições presidenciais com outros países muçulmanos e declarou que “Gaza, Palestina e Jerusalém também ganharam”.

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