O que seu mestre mandar: a estratégia de Trump para cargos-chave do governo
Republicano indica nomes que surpreendem pela inexperiência e pelo passado duvidoso, mas que têm um dom inegável: não o contrariam em nada
No jargão dos negócios, a que está habituado, Donald Trump tem usado da estratégia de “aquisição hostil” na montagem de sua equipe de governo. Ele imprimiu um ritmo frenético ao período de transição, que vai até a posse, em 20 de janeiro, disparando uma saraivada de indicações para altos e médios postos do governo. Não contente, compôs a lista com os nomes mais provocadores, destoantes e espantosos que conseguiu encontrar. Dois pontos em comum unem todos eles: a total lealdade ao chefe e a declarada disposição de virar de cabeça para baixo a ordem estabelecida.
E tome paulada no status quo. Para o Departamento (nome dado aos ministérios nos Estados Unidos) de Justiça, pódio dedicado à que se supõe ser a mais ilibada entre todas as hipoteticamente impolutas figuras do gabinete, Trump tinha escolhido o deputado Matt Gaetz, indivíduo intragável até para seus pares republicanos, enrolado em denúncias de abuso sexual de menor de idade e uso de drogas em orgias (gostava, dizem colegas, de lhes mostrar fotos fazendo sexo). Na quinta-feira 21, contudo, com receio de ter sua vida descortinada, Gaetz desistiu. Para o Departamento de Saúde, foi nomeado o advogado ambiental Robert F. Kennedy Jr., o desajustado do célebre clã democrata, famoso por propagar teorias conspiratórias, entre elas a de que vacinas fazem mal, que trabalhará em dobradinha com o titular dos programas sociais Medicare e Medicaid (sujeitos a cortes drásticos), Mehmet Oz, do programa de TV The Dr. Oz Show, onde celebrava curas alternativas e vendia suplementos.
Para a Defesa, optou por Pete Hegseth, apresentador da Fox News e major da reserva que defende o perdão a militares condenados por crimes de guerra e abomina os oficiais woke que abrem a carreira a mulheres e gays — aí incluídos os chefes do Estado-Maior das Forças Armadas. “É evidente que Trump prioriza a lealdade em detrimento da experiência e da qualificação”, diz Ann Carlson, cientista política da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla).
Os anúncios se dão em postagens na Truth Social, a rede trumpista, após um escrutínio final sob o lustre de cristais de um salão em Mar-a-Lago, a mansão-clube, na Flórida, do presidente eleito, onde sentou praça o “copresidente” Elon Musk. No rol das indicações impactantes está a do próprio dono da Tesla e do SpaceX (a quem a primeira-dama Janja da Silva, em um palco paralelo da reunião do G20 no Rio de Janeiro, brindou com um grosseiro “f… you, Elon Musk”), que juntamente com outro ricaço do mundo tech, Vivek Ramaswamy, está encarregado de passar a tesoura sem dó nos gastos públicos.
Tem mais (veja a galeria). O “czar das fronteiras” será o policial Tom Homan, que deve não só apertar o cerco contra as rotas de entrada, como também viabilizar a expulsão de milhões de ilegais no país. A tarefa será dividida com Kristi Noem, governadora de Dakota do Sul, nomeada secretária de Segurança Interna, que é mais conhecida por ter narrado em livro como matou a tiros seu cachorrinho Cricket, por ser “indomesticável”, e por ter feito um caro tratamento estético e aparecido em anúncios antes e depois da clínica. O Departamento de Minas e Energia está nas mãos de Chris Wright, executivo da indústria do petróleo e entusiasta dos combustíveis fósseis (além, claro, de, como o chefe, duvidar da ação humana nas mudanças climáticas). A ex-deputada Tulsi Gabbard, admiradora confessa de Vladimir Putin, ganhou o controle das agências de inteligência do país.
As ondas de choque das indicações estão sacudindo os pilares de Washington. “São uma declaração de guerra, Trump quer vingança contra seus críticos e opositores”, diz Sarah Binder, cientista política da Universidade George Washington. Todos os indicados terão de ser confirmados pelo Senado, onde os republicanos são maioria. Pelo sim, pelo não, o entorno de Trump vem sugerindo que os senadores abram mão de sabatinar os escolhidos e que John Thune, futuro presidente da Casa, convoque recessos seguidos, abrindo o caminho para a instalação imediata da tropa trumpista em seus gabinetes. Mesmo que um ou outro nome ainda venha a ser trocado, o presidente eleito já deu seu recado: neste mandato, vai fazer o que quiser, como quiser, quando quiser. Os incomodados que se mudem.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920