O que se sabe até agora sobre o avanço militar americano em direção à Venezuela
Após deslocar navios de guerra para o Caribe, governo americano diz que vai usar 'toda a força' contra o ditador venezuelano

Foi uma semana de escalada de tensões, em que nenhum dos lados indica disposição em recuar. Por ordem do presidente Donald Trump, os Estados Unidos despacharam aproximadamente 4 mil soldados e três navios de guerra para a região do Caribe, visando reforçar o combate ao narcotráfico na costa da Venezuela. Em resposta, o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, a quem a Casa Branca acusa de liderar um cartel internacional responsável pelo tráfico de drogas, ordenou a mobilização de 4,5 milhões de milicianos chavistas.
“Defendemos nossos mares, nossos céus e nossas terras. Nós os libertamos. Nós os guardamos e patrulhamos. Nenhum império tocará o solo sagrado da Venezuela, nem deve tocar o solo sagrado da América do Sul”, declarou Maduro em discurso transmitido na TV na segunda-feira.
A iniciativa veio depois de três destróieres com mísseis guiados da Marinha americana serem enviados às águas da Venezuela, enquanto a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que Trump “está preparado para usar todo o poder americano” contra Caracas, com o objetivo, disse ela, de “impedir que as drogas inundem nosso país”.
Foi uma deterioração de relações entre países que há anos nutrem inimizade, num contexto em que Trump quer mostrar que está combatendo o crime organizado que prolifera, com múltiplos braços, na América Latina.
Cerco ao narcotráfico
Trump tem feito pressão para empregar o uso de seus militares para combater cartéis. Em fevereiro, ele classificou o Tren de Aragua, da Venezuela, assim como seis grupos no México e a gangue MS-13, em El Salvador, como organizações terroristas estrangeiras. O presidente assinou uma diretiva secreta ao Pentágono para o uso de força militar contra esses cartéis, segundo o jornal americano The New York Times.
Na segunda-feira, a Casa Branca ordenou o envio de três destróieres — o USS Gravely, o USS Jason Dunham e o USS Sampson — e cerca de 4 mil fuzileiros navais para as águas da Venezuela, segundo a agência de notícias Reuters. O governo Trump confirmou à emissora americana CNN na semana passada que havia direcionado ativos navais para a região como parte de um esforço para conter o tráfico de drogas. Além disso, de acordo com a Reuters, recursos militares adicionais, incluindo vários aviões espiões P-8, navios de guerra e um submarino de ataque, foram despachados para as águas internacionais e espaço aéreo do Caribe.
O governo também vem tentando conter a entrada de drogas, especialmente fentanil — que se espalha por cidades americanas com velocidade epidêmica —, por meio de tarifas, como a imposição de sobretaxas ao Canadá, China e México citando a “falha” desses países em impedir que o tráfico passe pelas fronteiras. Em março, Trump também impôs tarifas aos países que compram petróleo da Venezuela, destacando a ameaça do Tren de Aragua aos Estados Unidos.
Reação de Maduro
Embora não tenha citado os Estados Unidos diretamente, Maduro anunciou na segunda-feira que vai ativar um plano especial que inclui a mobilização de mais de 4,5 milhões de milicianos em todo o território nacional — “milícias preparadas, ativadas e armadas”
A Milícia Bolivariana foi criada em 2005 pelo falecido presidente Hugo Chávez, para militarizar a população e servir para defender o país de uma hipotética invasão estrangeira, e oficializada em 2010.
O plano de Maduro envolverá a mobilização de milícias camponesas e operárias “em todas as fábricas e locais de trabalho do país” e o fornecimento de “mísseis e fuzis para a classe trabalhadora, para defender nossa pátria”, disse o ditador venezuelano. Anteriormente, ele já havia chamado as ameaças dos Estados Unidos de “extravagantes, bizarras e absurdas”.
Quando Estados Unidos mandam força naval, é melhor Maduro atentar
O governo venezuelano também proibiu temporariamente a compra, venda e operação de drones no espaço aéreo venezuelano na terça-feira. Um drone carregado de explosivos detonou perto de Maduro em 2018 em uma aparente tentativa de assassinato, o que resultou em mandados de prisão para quase trinta pessoas, incluindo uma que posteriormente morreu em circunstâncias misteriosas. Delas, 17 foram condenadas, incluindo o proeminente opositor Juan Requesens.
“A acusação de Washington à Venezuela de tráfico de drogas revela sua falta de credibilidade e o fracasso de suas políticas na região”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela em um comunicado na terça-feira. “Enquanto Washington ameaça, a Venezuela avança firmemente em paz e soberania, demonstrando que a verdadeira eficácia contra o crime se alcança respeitando a independência do povo. Toda declaração agressiva confirma a incapacidade do imperialismo de subjugar um povo livre e soberano.”
A perspectiva de um embate entre os países é improvável. Trump não tem a intenção de proporcionar uma mudança de regime, por mais que exista uma torcida a favor disso. Os planos podem mudar, contudo, principalmente se Maduro fizer alguma bobagem, como tentar anexar a região vizinha do Essequibo, pertencente à Guiana.
Se as tensões eventualmente transbordarem para as vias de fato, a Venezuela estaria em franca desvantagem. Washington lidera com folga o ranking mundial de poder bélico, segundo a plataforma Global Firepower, enquanto Caracas está entre as forças medianas do continente americano.
Relações cada vez mais frias
Washington e Caracas romperam relações diplomáticas em 2019, durante o primeiro mandato de Trump, que apoiou o então líder da oposição, Juan Guaidó, nas eleições presidenciais da nação latino-americana. Os Estados Unidos não reconheceram nenhuma das duas últimas vitórias eleitorais de Maduro, e o governo Trump tem repetidamente chamado seu atual mandato de ilegítimo.
“Eu sei muito bem, e a Venezuela está sendo governada por um ditador”, disse Trump em agosto do ano passado, culpando o país pelo fluxo de criminosos e drogas para o território americano.
Os ex-presidentes democratas Barack Obama e Joe Biden também se opuseram ao governo chavista. Mas foi no primeiro mandato de Trump que a Venezuela se viu alvo das mais rigorosas sanções americanas até então, com rodadas em 2017, 2018 e 2019. Em 2020, Maduro foi indiciado em um tribunal federal de Nova York por narcoterrorismo e conspiração para importar cocaína, entre outras acusações. E as tensões entre Trump e o líder venezuelano só aumentaram desde seu retorno à Casa Branca.
No início deste mês, o governo Trump dobrou para US$ 50 milhões a recompensa pela captura de Maduro. O governo também acusou o ditador de ser “um dos maiores traficantes de drogas do mundo” e chefe do chamado Cartel dos Sóis, alegações que o governo venezuelano rejeitou. A Casa Branca também afirmou que Maduro tem ligações com a gangue Tren de Arágua e o Cartel de Sinaloa, do México — sobre as quais a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, afirmou no início deste mês que seu governo não tinha provas. A procuradora-geral dos Estados Unidos, Pam Bondi, afirmou que, recentemente, foram apreendidos US$ 700 milhões em ativos vinculados ao líder chavista, incluindo mansões, artigos de luxo, contas bancárias e jatos particulares.