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Lojas do Cairo usam imagem de Hitler e símbolos nazistas

Diferenças religiosas entre judeus e muçulmanos e conflitos ao longo do século XX podem explicar a simpatia de uma pequena parcela da sociedade ao nazismo

Por Vinicius Novelli Atualizado em 19 dez 2019, 17h20 - Publicado em 19 dez 2019, 17h20

Um estrangeiro que ande pelas ruas da cidade do Cairo, no Egito, pode se surpreender com fachadas de lojas decoradas com símbolos nazistas e até pela imagem do próprio Adolf Hitler, inusitadamente trajado de camisa florida e óculos escuros. A cena controversa, porém, está longe de ser regra no país. Mas reflete um lado da história política e religiosa do país.

As imagens das fachadas se espalharam pelas redes sociais, mas logo foram apagadas pelas plataformas, seguindo a político de supressão de ícones nazistas aplicada por empresas como o Facebook.

Escondidos em bairros como Zawya Hamraa e Qalyub, as lojas ostentam os símbolos nazistas, como a  águia e suástica, em suas fachadas. Mas, ao pisar para dentro dos estabelecimentos, o que se vê são roupas normais à venda, sem adereços que remetam à Alemanha Nazista.

Apesar desses poucos comércios simpatizantes do líder nazista, o apreço das pessoas pelo ditador não é algo compartilhado pela vasta maioria da população. Em 2016, causou ultraje na cidade o fato de uma loja da rua Shawarbi, um dos centro comerciais e financeiros mais conhecidos do Cairo, ter sido inaugurada com o nome de Hitler e uma suástica estampada na fachada.

O dono do estabelecimento, Osama Farouk, disse à época ao site de notícia Gulf News, que o “nome e o emblema atraíram” sua admiração. “Então, decidi coloca-los na frente da minha loja”, afirmou ele, sem ideia da tragédia e da destruição representavam. Farouk também afirmou que os símbolos não tinham conotação política, apenas estética e não entendia o por que da repercussão.

Mesmo com a repercussão negativa do caso da loja de Farouk, outras apareceram ao redor do Cairo. A explicação para o fenômeno pode ser encontrada no história política e religiosa do Egito no século XX, pouco amistosa durante décadas à criação do estado de Israel e ainda menos simpática aos judeus em seu território.

A última pesquisa realizada pela Liga Antidifamação (ADL) mostrou que, em 2014, cerca de 75% da população egípcia disse concordar com visões preconceituosas e intolerantes sobre o povo judeu, sendo que 78% acreditava que as comunidades judaicas eram mais leais a Israel do que ao país no qual viviam. Em comparação, dados do mesmo ano mostraram que, no Brasil, apenas 14% da população tinha a mesma percepção.

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Loja Nazismo Egito
Loja de roupas masculinas no Cairo: nazismo no nome comercial e na fachada (Google Maps/Reprodução)

Conflitos entre árabes muçulmanos e judeus antecedem a criação de Israel, em 1948, e a consolidação dos Estados nacionais árabes, mas essa animosidade era muito diferente do que a observada na Europa, segundo Daniel Douek, pesquisador do Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo (USP). “No final do século XIX e início do século XX, a vida dos judeus em países de maioria muçulmana era mais tranquila do que em lugares como o Leste Europeu, de maioria cristã, muito marcados por perseguições e chacinas”.

Durante a Segunda Guerra Mundial, setores do mundo árabe viram em Hitler uma saída para o colonialismo britânico e francês na região e começaram a se simpatizarem com os países do eixo. O líder palestino Mohammad Amin Husayni buscou na Alemanha nazista o apoio necessário para impedir a criação de um Estado judaico e garantir a autodeterminação da Palestina que, naquele momento, era controlada pelo Império Britânico.

Adolf And Husseini
Adolf Hitler em encontro com o líder palestino Haj Amin Husseini: aliança para impedir criação de Israel (Keystone/Getty Images)
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Simpatizante da propaganda nazista disseminada na região por anos, Husayni ajudou a disseminar o antissemitismo por meio de organizações religiosas, como a Irmandade Muçulmana. O sentimento antissemita se intensificou na população muçulmana com os conflitos árabes-israelenses que se desdobraram com a guerra de independência e a criação do Estado de Israel, em maio de 1948.

No mesmo ano da criação de Israel, 80.000 judeus residiam no Egito. Mas a partir do golpe militar e da ascensão de Gamal Abdel Nasser Hussein ao poder em 1954, a famílias judias começaram a serem expulsas do país. Atualmente, quase não há judeus no Egito.

No total, foram três guerras entre Israel e países integrantes da Liga Árabe (Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria) ao longo do século XX. Mas foi em 1956 que o Egito e Israel, junto com França e Inglaterra, entraram em confronto direto pelo domínio do Canal de Suez.

O último conflito, em 1967, alterou profundamente as fronteiras na região. Em apenas seis dias, o Exército de Israel ocupou e anexou a Península do Sinai (antes território do Egito), a Faixa de Gaza, a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e as Colinas de Golã, da Síria.

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Apesar de um armistício assinado entre os países, não houve, desde então, um tratado de paz que colocasse fim às hostilidades, apesar das relações entre Israel e Egito terem melhorado nas últimas décadas. O presidente egípcio Abdel Fattah Sisi encontrou-se com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em 2017 — o primeiro entre líderes dos dois países em 40 anos.

O componente religioso também é um ingrediente na concepção da população egípcia sobre Israel. No começo dos anos 2000, o movimento político-religioso Irmandade Muçulmana começou a ganhar força no Egito e a conquistar cada vez mais apoiadores.

Fundada em 1928, de vertente sunita, a Irmandade prega a adoção da Sharia como lei de Estado. Seu líder Mohammed Mahdi Akef, falecido em 2010, costumava sair em defesa do ex-presidente xiita do Irã Mahmoud Ahmadinejad quando declarava que o Holocausto era uma mentira e uma fraude.

Em 2005, a Irmandade Muçulmana participou das eleições parlamentares egípcias e conquistou 88 dos 454 assentos. A oposição tradicional ficou com apenas 33 cadeiras. Após a derrubada do presidente Hosni Mubarak em 2011 por manifestantes durante a Primavera Árabe, a Irmandade Muçulmana emplacou seu candidato ao pleito presidencial. Eleito, Mohamed Morsi foi deposto no ano seguinte de sua posse por um golpe militar em 2013.

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Apesar do histórico do país, simpatias à Alemanha Nazista ou sua ideologia não costumam encontrar espaço dentro da Câmara dos Deputados. Em 3 de outubro de 2019, o presidente do Câmara, Ali Abdel Aal, citou o avanços de Hitler na construção civil para defender os gastos de Sisi com projetos de infraestrutura. Logo, Aal começou a receber críticas de partidos da oposição quanto do governo.

O presidente da Câmara se desculpou no dia seguinte, e disse que Hitler “cometeu diversos crimes e nunca poderá ser elogiado”.

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