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O que explica a fixação de Trump na Groenlândia? Caso envolve ferrenha disputa de bastidor

Obsessão do republicano está diretamente conectada a riquezas minerais cruciais para a economia do presente e do futuro

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ernesto Neves 5 abr 2025, 08h00

O brilho espetacular da aurora boreal que iluminava o céu de Nuuk, capital da Groenlândia, na sexta-feira 28, não foi capaz de encobrir a consternação dos 60 000 habitantes do gelado território, vinculado à Dinamarca, com um grupo de visitantes indesejáveis. Naquele dia, sem qualquer convite oficial, uma comitiva do governo dos Estados Unidos, chefiada pelo vice-presidente JD Vance e a mulher, Usha, além do conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, e do secretário de Energia, Chris Wright, passou algumas horas em uma base militar americana. Era a versão reduzida de um passeio que previa conhecer pontos turísticos e assistir a uma popular corrida de cães que puxam trenós, roteiro deletado por ter tido acolhida sub-zero da população. A Groenlândia está no centro da agressiva retórica expansionista adotada pelo chefe da turma, Donald Trump, para quem a ilha é essencial para a segurança dos EUA e precisa passar para seu controle “de qualquer jeito”. “Odeio dizer dessa forma, mas temos que tê-la”, repetiu Trump por ocasião da miniexcursão.

A fixação do republicano com a Groenlândia vem desde seu primeiro mandato e está diretamente conectada a um fator que tem sacudido a geopolítica nos quatro cantos do mundo, para além de guerra de tarifas: garantia de acesso a riquezas minerais cruciais para a economia do presente e do futuro. Além dos EUA, a China, a Rússia e a União Europeia adotam estratégias para controlar reservas, sobretudo das chamadas terras-raras, um coletivo de dezessete minerais, presentes em muitos pontos do planeta, amplamente usados na fabricação de itens como smartphones, computadores, carros, baterias e equipamentos militares.

Entram na lista dos minérios cobiçados pelas indústrias do século XXI o lítio, que já foi mais conhecido como componente de medicamentos para transtornos mentais, e outros tradicionais, como cobre e níquel. Ciente do apetite de sua economia titânica, a China saiu na frente na exploração das terras-raras e hoje produz 60% do suprimento mundial, atraso que os Estados Unidos de Trump se empenham em superar — ainda que seja na marra. “Há uma crescente tensão, muito semelhante ao que se viu na Guerra Fria”, diz Zongyuan Zoe Liu, pesquisadora de estudos sobre a China no Council of Foreign Relations.

Maior ilha do mundo, a Groenlândia tem reservas comprovadas de 1,5 milhão de toneladas de terras-raras, segundo um levantamento feito pela União Europeia, que, antes de Trump, já se mexia para explorar o tesouro. As ambições geopolíticas na área extrapolam a ilha e abrangem todo o Círculo Polar Ártico. Calcula-se que sob a calota de gelo no extremo norte do globo, onde o Canadá, outro alvo na mira trumpista, possui fatia significativa, repousem depósitos imensos de riquezas minerais — só de petróleo, são 90 bilhões de barris, 13% das reservas globais —, agora mais acessíveis por força do degelo acelerado imposto pelo aquecimento global. Nesse ponto do planeta, entra ainda na disputa entre potências o iminente fim do congelamento do Oceano Ártico durante o verão, que abre inéditas e eficientes rotas de navegação.

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CORRIDA - Exploração de lítio em salar da Bolívia: a China chegou primeiro
CORRIDA - Exploração de lítio em salar da Bolívia: a China chegou primeiro (Jorge Bernal/AFP)

Na Europa, a sede por minérios entrou por tabela nas negociações em torno da guerra na Ucrânia desde que o governo Trump manifestou a intenção de ter acesso privilegiado aos recursos ucranianos como pagamento pela ajuda militar americana, de 83,4 bilhões de dólares na contabilidade oficial, 350 bilhões no cálculo exagerado do republicano. Um acordo nesse sentido foi anulado com a troca de desaforos presidenciais no Salão Oval, mas, feitas as pazes, os dois países trabalham em uma nova proposta. O Fórum Econômico Mundial estima existirem 20 000 depósitos de 116 tipos de minérios na Ucrânia, entre eles 22 dos 34 listados na Lei das Matérias-Primas Críticas da UE, de 2024. Boa parte se localiza sob a área ocupada pelas tropas de Vladimir Putin — que, claro, não pensa em devolvê-la, mesmo sendo o subsolo da Rússia rico em depósitos minerais.

Nos últimos anos, Pequim suspendeu ou restringiu as exportações de matérias-primas essenciais para a União Europeia e os Estados Unidos, obrigando o Ocidente a diversificar as cadeias de abastecimento. Em pontos de conflito, onde o poder dominante está diluído, metais viraram armas importantes: terras-raras e urânio estão na roda de interesses que move o conflagrado Sudão, há décadas em guerra civil, e, na República Democrática do Congo, maior produtor mundial de cobalto, o governo sondou Estados Unidos e Europa para intermediar a paz com grupos rebeldes em troca de minerais. Nos dois países, a China já tem forte presença na mineração, assim como na Austrália, onde atua há décadas.

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DE OLHO - Putin: vasta riqueza mineral em área ocupada da Ucrânia
DE OLHO - Putin: vasta riqueza mineral em área ocupada da Ucrânia (Sergei Ilyin/AFP)

Sem conflitos maiores e longe (até agora) do expansionismo trumpista, a América Latina também é alvo de competição, sobretudo no campo dos negócios, entre as potências mundiais. “A região tem imensa riqueza na forma de cobre e lítio, cuja demanda deve disparar; de minerais personalizados, como o nióbio, usado na indústria aeroespacial; assim como de elementos de terras-raras”, explica Henry Ziemer, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

De acordo com pesquisa da ONU, a China detém mais de 40% da capacidade global de fundição e refino de cobre, lítio, terras-raras e cobalto. Em solo latino, ela firmou um acordo bilionário com a Bolívia para explorar lítio (o país possui as maiores reservas do mundo) em piscinas salgadas. O Brasil tem a terceira maior reserva mundial de terras-raras, de acordo com o US Geological Survey, e é palco das disputas internacionais. Em novembro, no curto espaço de uma semana, a CNMC (China Nonferrous Metal Mining Group) adquiriu a Mineração Taboca e sua mina em Pitinga, no Amazonas, a também chinesa Baiyin Nonferrous firmou um compromisso de compra da Mineração Vale Verde, produtora de cobre em Alagoas, e, entre os americanos, o Export-­Import Bank of the United States se comprometeu a financiar 266 milhões de dólares para a Lithium Ionic construir o seu projeto de lítio Bandeira, no Vale do Lítio, em Minas Gerais. Na metade do século XIX, a corrida do ouro na Califórnia mudou a feição e os rumos dos Estados Unidos. Neste segundo quarto do século XXI, no mundo todo, a corrida pelos minérios que alimentam as indústrias eletrônica e militar está a pleno vapor.

Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938

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