O Maquiavel da era moderna: a ascensão do pensador Giuliano Da Empoli
Primeiros-ministros e presidentes europeus têm bebido de suas ideias para conhecer a si mesmo e a seus pares
O escritor e analista político ítalo-suíço Giuliano Da Empoli não se incomoda com a comparação e leva na boa, de verdade, o paralelo com o filósofo Nicolau Maquiavel, cujas ideias construídas nos séculos XV e XVI ecoam até hoje. Não se trata de aceitar alguma semelhança por vaidade, por querer instalar-se no panteão dos grandes pensadores. O motivo é mais prosaico, e Da Empoli reconhece uma semelhança crucial: viveram ambos em um tempo de profundas incertezas e caos. Dito de outro modo, agora como lá no coração do Renascimento: compreender o vaivém de figuras poderosas como Donald Trump e Vladimir Putin exige conhecer menos os manuais de ciência política e se familiarizar mais com as crônicas romanas de Suetônio e Tácito — textos que capturam a natureza imprevisível do poder, eis o segredo das altas esferas.
Com passagens pela assessoria política de figuras como o ex-primeiro-ministro italiano Matteo Renzi e o vice-primeiro-ministro Francesco Rutelli, além de proximidade com o presidente da França, Emmanuel Macron, Da Empoli leciona política comparada na Sciences Po Paris. O escritor, de 52 anos, consolidou sua reputação como observador privilegiado das mutações dos grandes salões de governantes. É nome inescapável, a respeito de quem muito se falará ainda, com o planeta em convulsão.
Seu ensaio A Hora dos Predadores — lançado recentemente pela Vestígio — oferece uma cartografia inquietante do mundo atual. A tese central do livro é a convergência entre “predadores políticos” (autocratas) e “predadores tecnológicos” (oligarcas das big techs). Ambos compartilham um objetivo: destruir as antigas elites — políticos tradicionais, juízes, jornalistas — e “emancipar-se das regras”, criando um sistema em que o poder não possa mais “ser regulado, limitado, contrabalanceado”. Nessa nova ordem, a confusão deixa de ser uma falha do sistema para se tornar estratégia. “O caos não é mais a arma dos rebeldes, mas o selo dos dominantes”, disse Da Empoli a VEJA.
O cenário em que essa nova tirania floresce é o que o autor chama de “Somália digital”: um Estado falido onde não há instituições funcionais nem leis efetivas. “Onde a lei é feita pelos senhores da guerra, por quem é mais forte e mais violento”, diz ele. Nesse ambiente, a promessa de ação rápida e de “milagres” — contornando as regras impostas pelas elites dominantes — torna-se irresistível para populações que enxergam os sistemas tradicionais como travados e ineficazes.
É natural, como em tudo na vida, que a inteligência artificial (IA) desponte como cola dessas relações entre quem manda e quem obedece. Da Empoli voa alto, ao passear pela literatura. “A IA é uma tecnologia borgiana, que não persuade, ela sidera — isto é, paralisa ou domina”, afirma. Trata-se, portanto, de ferramenta que cimenta ainda mais a autocracia que nasceu do voto e, ancorada no populismo sem freio, parece que vai ditar por muito tempo ainda os humores da civilização.
E o Brasil nessa história? Da Empoli, atento ao noticiário recente, identifica o país como um “exemplo quase único” de resistência diante da pressão de Trump, que tentou dissuadir as instituições de julgar o ex-presidente Bolsonaro e de regulamentar as plataformas tecnológicas — atitudes que, segundo ele, “honram o sistema brasileiro”, sugerindo termos desenvolvido algum tipo de “anticorpo político”. Seria a tal “química” ou a “petroquímica inteira” a que se referiram Trump e Lula, depois de se esbarrarem nos corredores da ONU? O Brasil, aliás, não entra do nada na cabeça de Da Empoli: torcedor da Roma, aprendeu a vibrar com o mítico clube durante “a grande temporada de Falcão”, de 1980 a 1985. O futebol talvez seja uma de suas poucas válvulas de escape do cotidiano intelectual.
Leitor voraz, Da Empoli confessa não conseguir separar trabalho de hobby. “Não sou capaz de dizer se trabalho sempre ou não trabalho nunca”, admite, revelando que tem a sorte de gostar do que faz. No momento, está relendo Graham Greene, que considera “um escritor maravilhoso”. Sua produção inclui ensaios e romances aplaudidos, como O Mago do Kremlin, inspirado em Putin, que soa como ficção, mas pode não ser. Está lá, na frase de um dos personagens, ao modo maquiavélico: “Se seu amigo morreu, não o enterre. Fique um pouco afastado e espere. Os abutres virão e você fará um monte de amigos novos”.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967
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