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O dilema do Partido Republicano: seguir ou não com Trump?

O apoio ao ex-presidente no processo de impeachment revela a incerteza: manter a aposta no político ou antecipar-se ao inexorável desgaste do seu populismo

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h34 - Publicado em 19 fev 2021, 06h00

Mal se encerrara a votação que o livrou pela segunda vez do impeachment e Donald Trump já batia bumbo no Twitter — em contas ligadas a comitês que o apoiam, já que as suas estão banidas. “Nosso movimento histórico, patriótico e lindo para tornar os Estados Unidos grandes novamente está apenas começando”, proclamou do retiro forçado em Ma­­r-­a-Lago, seu resort de golfe na Flórida. Com o placar de 57 votos a favor e 43 contra a acusação de “incitação à insurreição”, menos do que os dois terços necessários para condená-lo, Trump fez o que se esperava e começou a tratar de reagrupar os apoiadores em torno de sua pessoa. Que, aliás, são muitos: entre 60% e 70% dos republicanos acham que a eleição de Joe Biden foi mesmo fraudada e quase 90% aprovam seus quatro anos de Casa Branca. O dilema do Partido Republicano agora é decidir se insufla o estridente populismo de direita dessa base, na esperança de garantir votos que lhe permitam alcançar maioria na Câmara e no Senado em 2022, ou se toma um desvio mais para o centro, antecipando-se a um inexorável desgaste do trumpismo. “Muitos políticos republicanos gostariam de ver Trump fora de cena, mas temem o custo eleitoral de trair sua base de apoio”, diz Geoffrey Layman, professor de ciência política da Universidade Notre Dame.

Por algum tempo, o ex-presidente conseguiu abafar a derrota nas urnas brandindo a carta falsa da fraude eleitoral para mobilizar suas hostes. Mas a chocante invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro abalou a confiança nele e os sucessivos processos abertos na Justiça para avaliar sua responsabilidade podem causar novos estragos e plantar de vez no chão o balão da política agressiva, indiferente às instituições e à ordem estabelecida, que ele representa (ver artigo de Vilma Gryzinski). A acusação de incitação à insurreição foi levada à Justiça comum, que fará investigação própria. A maioria democrata da Câmara dos Deputados, por sua vez, decidiu montar uma comissão para “investigar e relatar os fatos e as causas relacionados ao ataque de terrorismo doméstico”. Na Geórgia, promotores ainda examinam tentativas de influenciar os resultados eleitorais — foi lá que o republicano Brad Raffensperger, monitor das apurações, recebeu um abusivo telefonema de Trump em 3 de janeiro pedindo que desse um jeito de “achar” votos que assegurassem sua vitória sobre Biden. Em paralelo, o FBI e a polícia estão desmontando redes e prendendo líderes de milícias empenhadas em apelar a armas e violência para impulsionar o trumpismo. Se por cima de tudo isso o governo Biden conseguir controlar a pandemia e fizer a economia andar, as chances de Trump baixar o topete, e ter de ir ao acostamento, são grandes.

Por isso mesmo, a expectativa é de que ele se empenhe agora para intimidar “inimigos”. O líder do partido republicano, Mitch McConnell, que fez absolutamente tudo que seu mestre mandou durante quatro anos, votou contra o impedimento, mas foi à tribuna passar um sabão no ex-aliado, a quem considerou “na prática e moralmente” responsável pela ocupação do Capitólio. “As pessoas que invadiram acreditavam estar agindo conforme o desejo e as instruções de seu presidente”, disparou. Trump respondeu chamando McConnell de “político obsoleto, amargo, ressentido e carrancudo”, para concluir: “Quem ficar com ele não vai ganhar novamente”.

Neste momento, os congressistas republicanos têm de optar por permanecer nas boas graças do volátil ex-pre­sidente, pela não reeleição ou por se afastar dele e correr o risco de, em 2022, ser desafiados por oponentes trumpistas. Tentando se equilibrar no fio da navalha, muitos andam apelando para a tática do “uma no cravo, outra na ferradura”. Trump disparou sua ira contra a influente deputada republicana Liz Cheney, que condenou sem meias-palavras a invasão, mas uma votação secreta no partido decidiu mantê-la em seu posto de liderança na Câmara. No mesmo plenário, outra votação destituiu de cargos em comissões a deputada Marjorie Taylor Greene, militante da extrema direita a favor de armas e de insanas teorias conspiratórias — só que, nesse caso, os republicanos espertamente ficaram a favor de Greene, depositando sua remoção nas mãos da maioria democrata. “Eles estão procurando acomodar todas as facções do partido enquanto tentam adivinhar o futuro”, aponta Richard Bensel, autor do livro Leviatã Ianque. Neste exercício, a política americana seguirá, pelo menos por um tempo, insuflando e se alimentando do racha entre dois Estados Unidos que não se suportam.

Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726

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