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O cálculo de Macron ao nomear premiê conservador e comprar briga com a esquerda

Presidente francês prioriza seus próprios interesses e não faz concessões ao escolher Michel Barnier, da direita tradicional, para o cargo

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 set 2024, 13h58 - Publicado em 5 set 2024, 13h47

Dois meses depois das eleições da França que mudaram a configuração da Assembleia Nacional, o presidente do país, Emmanuel Macron, finalmente indicou um novo primeiro-ministro para substituir seu aliado, que pediu a renúncia, Gabriel Attal. O anúncio desta quinta-feira, 5, veio, segundo o Palácio do Eliseu, após “um ciclo de consultas sem precedentes” com lideranças partidárias para escolher uma figura que pudesse formar um governo estável. Mas o novo premiê, Michel Barnier, que foi chefe das negociações da União Europeia durante o complexo divórcio com o Reino Unido, o Brexit, não agrada a quase nenhuma das principais forças políticas francesas – exceto pelo próprio Macron.

Depois do pleito que o presidente convocou de forma antecipada, uma manobra para renovar sua influência após sua coalizão, Juntos, perder de lavada para a extrema direita de Marine Le Pen nas eleições para o Parlamento Europeu em junho, o futuro político da França ficou em suspenso. A aliança de esquerda Nova Frente Popular tornou-se a maior força política na Assembleia Nacional da França com 182 assentos, mas não foi suficiente para atingir a maioria absoluta (289). O grupo centrista de Macron (168 assentos) e a extrema direita (143 assentos) compõem as outras duas principais alas no parlamento.

Já o partido de Barnier, o Republicanos, da direita tradicional, ficou em quarto lugar, com 47 deputados eleitos. Em reação rápida, Jean-Luc Mélenchon, líder do partido de extrema esquerda França Insubmissa, um dos pilares da Nova Frente Popular, afirmou que a nomeação do novo premiê foi uma “negação” da vontade popular por ignorar os resultados das urnas. “A eleição foi roubada”, disparou, convocando manifestação para o próximo sábado, 7.

No final de agosto, Macron barrou a nomeação da esquerdista Lucie Castets como primeira-ministra do país, justificando que, em nome da “estabilidade institucional”, não poderia aceitar um plano de governo que atenda somente aos interesses da coalizão vencedora. “Um governo baseado apenas no programa e os partidos propostos pela aliança com maior número de deputados, a Nova Frente Popular, seria imediatamente avo de uma moção de censura” na Assembleia Nacional, afirmou ele, acrescentando que as lideranças políticas deveriam ter “espírito de responsabilidade”. Em comunicado, o grupo o ameaçou de impeachment e o acusou de ser autocrata.

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O cálculo de Macron

Com sua escolha, o presidente francês aceitou comprar briga com a esquerda em nome dos próprios objetivos políticos. Inicialmente, o nome de Barnier nem estava na disputa para o cargo. Seu partido acumulou uma coleção de derrotas nos últimos anos, com desempenhos fracos na corrida presidencial de 2022, nas eleições para o Parlamento Europeu em junho e em uma série de pleitos estaduais.

No entanto, Barnier parece preencher todos os requisitos do presidente. Como figura importante em seu partido, ele deve garantir o apoio dos 47 deputados do Republicanos. Por outro lado, aos 73 anos, não se tornará rival dos aliados mais jovens de Macron, dentre os quais deve escolher um sucessor para a Presidência em 2027, já que ele não pode ser eleito pela terceira vez.

Macron havia indicado anteriormente que a nomeação do primeiro-ministro viria da centro-direita ou da centro-esquerda, com objetivo de formar uma coalizão mais ampla. O conservador, porém, pende mais para o lado da direita, um risco que o presidente aceitou tomar por causa das suas convergências políticas, como a oposição ao aumento de impostos e controle duro do déficit fiscal. Eles concordam, em especial, sobre a reforma do sistema previdenciário, com o aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos, polêmica que o governo centrista passou por cima da Assembleia Nacional para aprovar. A esquerda, por sua vez, disse que revogaria a reforma.

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Barnier também tem importantes credenciais como ex-comissário europeu. Grande defensor da UE, Macron elogiou muito como o negociador lidou com o Brexit. Em um momento em que Reino Unido tentava abrir diversas linhas de comunicação com o bloco do qual escolheu se divorciar, ele foi figura fundamental para centralizar as conversas. Na época, os dois mantinham contato próximo, trocando mensagens de texto com frequência.

Outra parte do cálculo é que, mesmo se a Nova Frente Popular se organizar para bloquear Barnier com uma moção de censura na Assembleia Nacional, a extrema direita pode apoiá-lo. Ao invés de rechaçar automaticamente seu nome, Marine Le Pen disse que o respaldo do Reagrupamento Nacional dependeria do programa político a ser apresentado. Isso porque, em alguns pontos, ela converge com o político conservador, como no endurecimento das leis sobre imigração.

O problema é que isso pode elevar a legenda de Le Pen a kingmaker (“fazedor de reis”) em qualquer futuro governo. Ou seja, a extrema direita terá grande influência no tabuleiro da sucessão política, uma aposta arriscadíssima. Ao não fazer concessões e priorizar os próprios interesses, Macron colocou diante da França um futuro, se por um lado incerto, que será sem dúvidas caótico.

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