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Na Nova Zelândia, que ‘eliminou’ Covid, brasileiros se dizem privilegiados

Constrangimentos e sorrisos amarelos por Bolsonaro contrastam com elogios a plano da primeira-ministra da pequena nação da Oceania, que tem apenas 21 mortos

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2020, 11h11 - Publicado em 9 Maio 2020, 08h00

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro segue em sua irresponsável cruzada pela volta à normalidade em meio à pandemia do novo coronavírus, dando sucessivos maus exemplos e confrontando quem tenta combater a doença, brasileiros que vivem na Nova Zelândia veem o país superar a Covid-19 com liderança e coesão política, ciência e disciplina. Com dimensões pouco inferiores às do Tocantins e uma população de menos de 5 milhões de habitantes, dos quais cerca de 5.500 brasileiros, o pequeno país da Oceania conseguiu “eliminar” o coronavírus, como apontou a prestigiosa revista médica britânica The Lancet neste sábado, 9.

“Foi um privilégio passar a pandemia aqui”, diz a coach paulistana Ísis Oliveira, 32 anos, que vive com o marido há dois anos em Auckland, a maior cidade neozelandesa. Até este sábado, 71 dias depois do registro do primeiro caso de Covid-19, o país governado pela primeira-ministra Jacinda Ardern tinha 1.142 infectados, dos quais 103 ainda ativos e apenas dois hospitalizados, e 21 mortos. Nesta semana, apenas sete novos casos e duas mortes foram registrados.

A estratégia agressiva da Nova Zelândia no combate ao coronavírus, aconselhada por cientistas de universidades locais, foi colocada em prática em março, um mês depois do primeiro caso. Ardern anunciou um lockdown, com fechamento de fronteiras, quarentena rigorosa e testagem em massa – 183.000 pessoas foram testadas até agora, uma taxa de 37 testes por 1 000 habitantes (no Brasil, até 20 de abril, a taxa era de 0,63 por 1 000 habitantes). Quando as medidas entraram em vigor, o país ainda não havia contabilizado o primeiro morto pela infecção. “Senti os sintomas, fiz uma consulta online e falei o que estava sentindo. A médica fez meu encaminhamento online, fui à clínica e fiz o exame dentro do carro, tudo muito seguro”, relata a designer de interiores gaúcha Sabrina Ramos, 41 anos, que vive com o marido e um filho de 5 anos em Auckland desde março de 2019. O exame dela deu negativo para Covid-19.

O plano de entrada e saída do país da quarentena tem quatro níveis. O quarto, de isolamento mais agudo, foi ultrapassado no final de abril. Atualmente no terceiro nível, que permitiu a reabertura de parte das unidades de educação infantil e dos negócios, a Nova Zelândia pode avançar ao nível 2 na próxima segunda-feira, 11, caso haja certeza de que a transmissão comunitária cessou.

Além das medidas de isolamento social, o governo elaborou um plano de 12,1 bilhões de dólares neozelandeses, o equivalente a 42,5 bilhões de reais, para investir no sistema de saúde e atenuar os efeitos da quarentena na economia, incluindo redução de impostos e subsídios a empresas e benefícios aos mais pobres. Diante dos bons resultados, a jovem primeira-ministra de 39 anos atingiu 88% de confiança dos compatriotas segundo uma pesquisa no início de abril e um prestígio mundial nunca visto na pequena nação da Oceania.

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“No começo eu não entendi ao certo o que estava acontecendo, mas a comunicação do governo com a população foi crucial. Eles gravaram as regras do lockdown em 20 idiomas, porque é um país com muitos imigrantes”, diz Ísis. De fato, Ardern, primeira líder a ir à Assembleia-Geral da ONU com um bebê a tiracolo, em 2018, é uma comunicadora de primeira e suas lives diárias no Facebook unem anúncios oficiais a repostas a dúvidas do público em geral.

Fora o trabalho da primeira-ministra e a colaboração das dimensões reduzidas de território e população neozelandeses, completou a boa condução da política de combate ao coronavírus no país uma oposição consciente. Líder do principal partido opositor, o Partido Nacional da Nova Zelândia, Simon Bridges suspendeu sua campanha eleitoral e declarou que o momento era de apoiar o governo na luta contra a pandemia.

“Em nenhum momento a oposição se manifestou dizendo que a doença era menor do que realmente é”, diz a agente educacional mineira Cláudia Pereira, 45 anos, treze dos quais na Nova Zelândia. Casada com um neozelandês e mãe de gêmeas de 6 anos, Cláudia já conta sete semanas em isolamento e, com as escolas fechadas, se desdobra para ensinar as crianças em inglês e português.

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Cláudia Pereira
A agente educacional Cláudia Pereira, que vive na Nova Zelândia, e a família (Arquivo pessoal/Divulgação)

Outro trunfo dos neozelandeses frente aos brasileiros diante da pandemia é a disciplina e o senso coletivo. Enquanto no Brasil registros de festas de arromba nos litorais paulista e catarinense pululam na internet, além de botequins lotados em favelas, na Nova Zelândia, mesmo com a permissão para caminhadas ao ar livre durante o lockdown, não se viram aglomerações. “Além de muita área, temos a educação das pessoas, então sei que posso sair pra me exercitar e não vou encontrar mil pessoas andando na rua”, relata Sabrina. “Claro que tivemos um ou outro tentando quebrar as regras, mas ninguém saiu às ruas para fazer panelaço ou festas que pudessem colocar em risco a vida das pessoas”, diz Cláudia Pereira. “O senso de comunidade é muito grande, houve muitos casos de pessoas ligando para a polícia e dizendo que vizinhos estavam descumprindo o lockdown, isso faz toda a diferença”, completa Ísis Oliveira.

Longe do Brasil, elas veem com preocupação os movimentos de Bolsonaro. No final de abril, uma reportagem em um importante jornal local, o NZ Herald, destacou como o Brasil tem se tornado um “ponto quente” da pandemia. “Minha mãe me disse que ficou preocupada comigo e meu irmão morando aqui. Eu disse que ela deveria era se preocupar com ela, porque eu sabia que não ia passar apuros, mas não posso dizer o mesmo do Brasil”, brinca Ísis. Comentários constrangedores de conhecidos neozelandeses sobre a situação brasileira também são comuns. “O sorriso é sempre amarelo. A gente sente preocupação e uma certa vergonha”, diz Sabrina.

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