Morre Carlos Menem, o presidente que vendeu sonhos à Argentina
Complicação de infecção urinária pôs fim à vida do político que projetou um país moderno, mas acabou afundado em crise
Morreu, neste domingo, 14, em Buenos Aires, o ex-presidente da Argentina, Carlos Menem, aos 90 anos. Há tempos ele enfrentava um quadro de saúde delicado, agravado por uma pneumonia, diagnosticada em junho do ano passado. Menem estava internado em uma clínica em Buenos Aires para fazer exames de próstata, mas contraiu uma infecção urinária que complicou problemas de coração.
O presidente da Argentina, Alberto Fernandez, decretou luto oficial de três dias. Pelas redes sociais, Fernandez expressou pesar e lembrou que Menem foi perseguido durante o período de ditadura militar no país. Atualmente, ele ocupava o cargo de senador pela província de La Rioja, da qual também já foi governador.
Eleito pela primeira vez para o cargo mais importante do país em 1989, Menem foi o presidente a ocupar por mais tempo a cadeira na Casa Rosada. No total, foram dez anos, cinco meses e dois dias. Chegou ao poder eleito pelo povo, depois que o primeiro presidente civil da era da redemocratização, Raúl Alfonsin, renunciou, pressionado pela hiperinflação que chegava a 3.000% ao ano.
O peronista abandonou bandeiras históricas de seu partido e adotou a cartilha neo-liberal desenhada pelo FMI para países em desenvolvimento, conhecida internacionalmente como consenso de Washington. Pregou a diminuição do estado e a abertura econômica. Sua maior arma passou a ser a paridade entre o dólar e o peso, implementada pelo poderoso ministro da economia Domingo Cavallo.
“Levanta-te e anda, Argentina”, discursou Menem em sua posse, dando início a um processo de privatização de empresas estatais que incluía a petrolífera YPF e a companhia de aviação Aerolíneas Argentinas. Empresas multinacionais passaram a comandar setores estratégicos, como as telecomunicações, e houve forte afluxo de capital estrangeiro no país. A receita, inicialmente, trouxe crescimento econômico e aumento da oferta de empregos.
Midiático, Menem gostava de posar para os fotógrafos com suas características costeletas. Circulava de Ferrari vermelha pelas praias cercanas de Buenos Aires, praticava golf, basquete e futebol. Esforçava-se ao máximo para estar na companhia do jet set internacional – chegou a receber a Princesa Daiana e os Rolling Stones na capital portenha.
No campo da diplomacia, seu governo abraçou as grandes potências mundiais. Menem se juntou aos Estados Unidos de George Bush (pai) na guerra contra o Iraque de Saddam Hussein e chegou a enviar tropas para lutar no Golfo, em 1991. O movimento abriu caminho para que a Argentina restabelecesse relações internacionais com o Reino Unido, rompidas desde a guerra das Malvinas, na década de 80.
O alinhamento com a “nova ordem mundial”, pós queda do muro de Berlim, e a ideia da Argentina moderna, trouxeram prestígio para Carlitos, como era chamado carinhosamente por seus apoiadores. Em 1995, ele foi reconduzido ao cargo, após aprovar a possibilidade de reeleição um ano antes, com apoio de Alfonsin.
Os obstáculos para a caminhada da Argentina rumo ao desenvolvimento idealizada pelo pelo presidente, no entanto, não demoraram a surgir. Muitas fábricas baixaram as portas, ameaçadas pelos produtos estrangeiros e pela abertura de mercado. Sucessivas crises internacionais obrigaram o país a queimar reservas e a se endividar para manter a paridade entre o peso e o dólar.
Descendente da comunidade Síria, o governo de El Turco, como era chamado por seus inimigos, também foi marcado por dois atentados contra a comunidade judaica: os ataques a bomba à embaixada de Israel e à Associação Mutual Israelita Argentina, a Amia. Juntos, eles mataram 108 pessoas e deixaram centenas de feridos.
Um divórcio conturbado, que incluiu o uso das Forças Armadas para retirar a ex-primeira dama da residência oficial de Olivos e a morte de um dos quatro filhos em um acidente de helicóptero (com direito a especulações de assassinato) marcaram a vida pessoal do ex-presidente, durante o período em que esteve no poder.
Mas nada foi mais mortal para sua popularidade do que a insistência na política cambial. Ao final de seu mandato, a taxa de desemprego havia se fixado em torno de 13% e a dívida externa disparou de 45 para 145 bilhões de dólares. Mesmo assim, a esperada maxi desvalorização do peso só ocorreu no governo de Fernando de La Rúa, em um processo traumático que quebrou o país e afundou a Argentina em sua maior crise, com repercussões até os dias atuais.
Menem ainda tentou retornar nos braços do povo, mas ficou em segundo lugar nas eleições de 2.003, recebendo apenas 24,5% dos votos. O desempenho inexpressivo fez com que ele desistisse de disputar o segundo turno, abrindo caminho para Néstor Kirchner.
Longe da Casa Rosada, enfrentou diversas denúncias nos tribunais, acusado de envolvimento em casos de corrupção, tráfico de armas e nos atentados contra a comunidade judaica. Foi absolvido da maioria, restando uma condenação por peculato no episodio que envolvia a venda para o capital privado da Sociedade Rural Argentina. O portentoso edifício fica em um dos pontos mais valorizados da capital portenha. Em todos os processos se beneficiou do foro privilegiado, concedido aos senadores da República.
Os anos 90 foram os anos de Menem na Argentina. A década em que o país sonhou em ser grande e terminou de joelhos.