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Moradores da fronteira estão otimistas com a retomada de relações

A crise, que culminou com o rompimento diplomático em julho, paralisou em até 90% as atividades comerciais da região

Por Mariana Pereira de Almeida, de Cúcuta, na Colômbia
14 ago 2010, 11h07

Apenas uma ponte separa as cidades de Cúcuta, na Colômbia, e San Antonio del Táchira, na Venezuela, uma região tão seca e quente que a terra e a poeira ocupam o lugar do rio. Mas o fechamento constante da ponte Simón Bolívar – mesmo que por algumas horas – durante o período de crise entre os dois países foi o suficiente para desestabilizar a vida de quase todos os moradores do local, que dependem do comércio entre os dois lados da fronteira. A situação começou a se normalizar na última quarta-feira, um dia após a reunião entre os presidentes colombiano, Juan Manuel Santos, e venezuelano, Hugo Chávez, para restabelecer as relações diplomáticas.

Pode parecer estranho, mas o encontro presidencial definiu a vida da comerciante Sandra Eugenia Ruiz, que tem uma barraca de comidas e bebidas do lado colombiano da fronteira, um local conhecido como “La Parada”. Durante a crise, que já se arrastava desde o fim de 2008 e piorou em julho passado, as vendas dela caíram mais de 40%. “Nós esperamos o encontro para saber se fechávamos o comércio ou se continuávamos com força total”, diz. “Agora estamos muito otimistas.”

Sandra conta que as pessoas tinham medo de atravessar a fronteira enquanto as relações entre os dois países estavam cortadas. Elas corriam o risco de ficarem presas no país vizinho, em caso de fechamento da ponte, ou serem hostilizadas pelos militares venezuelanos. Com isso, o fluxo minguou, e o lucro se tornou insignificante. O resultado é que a renda não era mais suficiente para sustentar a casa onde ela vive com os pais, as duas irmãs e um sobrinho. “O movimento na ponte ficou baixo. Havia dias em que não passava quase ninguém.”

O caso de Sandra se repetia em negócios de diferentes tamanhos: das centenas de barracas situadas perto da fronteira às lojas mais sofisticadas de móveis, passando por clínicas médicas e até por atividades ilegais como o contrabando de gasolina entre os países. Apesar de proibido, o comércio de combustível é tolerado nesta área da Colômbia, onde é comum ver galões expostos, à espera de compradores em busca de pechinchas – a gasolina é barata na Venezuela por causa da quantidade de petróleo que o país produz.

Segundo Emperatriz Misse, prefeita da cidade de Villa Rosário, a cerca de três quilômetros da ponte Simón Bolívar, quase 300 empresas da região foram obrigadas a fechar as portas por causa da crise entre Venezuela e Colômbia. “Aqui, não há indústria, nós vivemos do comércio e de atividades informais. A crise, que provocou uma redução no movimento, também diminuiu em até 90% o comércio em toda a região fronteiriça”, afirma.

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“Se esse conflito provou algo foi que nenhum dos dois países tem capacidade comercial de prover suas necessidades. A Colômbia vende comida e bens básicos para a Venezuela e compra dela produtos baratos, como ocorre com a gasolina na fronteira”, explica Edgar Cortes, advogado e colunista do jornal de Cúcuta La Opinión. Com a falta dos compradores venezuelanos, os comerciantes da Colômbia amargaram prejuízos. A Venezuela, por sua vez, teve problemas logísticos ao importar comida de outros países, como o Brasil, porque muita coisa se estragou no caminho.

O restabelecimento diplomático trouxe nova confiança aos moradores da região. Alguns comerciantes já sentem pequenas melhoras, como Leyla Caicedo, que toma conta de uma cafeteria. “Na semana passada, eu vendia 300 empanadas. Agora, depois do fim da briga entre os dois presidentes, este número já subiu para 450. Ainda tem que melhorar, mas já é alguma coisa”, diz.

A casa de câmbio, que fica na mesma rua – uma pequena via de asfalto mal feito e gasto e algumas partes de terra – foi uma das primeiras a sentir o impacto positivo, já que sobrevive das trocas entre pesos e bolívares. Isauro Perez, um homem grande e simpático que toma conta do local, conta que entre a sexta-feira antes da reunião entre Santos e Chávez e a quinta-feira seguinte (dois dias depois do encontro), as suas vendas subiram 70%. “Venezuelanos e colombianos dependem uns dos outros. É tudo muito próximo, é como se nós fôssemos um só país”, diz.

O taxista Jose Beltran, de Cúcuta – onde o desemprego passou de 10,6% em maio de 2009 a 13,2% no mesmo mês de 2010 -, também tem boas notícias. Depois da retomada das relações, ele voltou a fazer viagens à cidade de Ureña, do lado venezuelano da fronteira. “Na semana passada, eu não transportava ninguém a Ureña. Só ontem, levei oito passageiros”, diz o senhor grisalho. “Eu parei de ir a San Antonio del Táchira porque alguns companheiros ficaram presos lá. Agora, vou com confiança.”

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Do lado venezuelano, a situação se repete. Marco Antonio Duarte se assustou muito com a crise. Ele está com a sua fábrica de móveis fechada há um mês porque as vendas caíram 50%. Na última semana, contudo, ele recuperou 30% dos pedidos. “Parei um mês com medo do que ia acontecer, inclusive uma possível guerra entre os dois países”, diz. “Não havia clientes. Agora o movimento melhorou muito, mudou o ânimo na região.”

Jorge Humberto Botero, economista e ex-ministro de Comércio, Indústria e Turismo da Colômbia, não se surpreende com a rapidez da retomada. “É um movimento imediato porque a ruptura foi curta e os vínculos entre os dois países não se perderam”, explica. “São muito profundos.”

Vínculos que Mabel Castilla, dona de uma loja de eletrodomésticos em Ureña, espera não serem rompidos novamente. A tensão quase paralisou as vendas do seu negócio, deixando a loja repleta de produtos, que vão de ventiladores coloridos a xícaras. “Fiquei com dinheiro apenas para sobreviver. Espero que vá tudo bem entre os dois países porque o povo sofre”, desabafa. Apesar do otimismo, a população dos dois lados da fronteira teme que a paz não seja duradoura. “Tomara que as boas relações permaneçam. Espero que Chávez mantenha a sua palavra”, diz Isauro Perez. “Mas ele é imprevisível.”

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