Militarização da Europa: Letônia retoma serviço militar obrigatório
Ministro da Defesa anuncia medida porque 'não temos motivos para pensar que a Rússia mudará seu comportamento'
A Letônia anunciou que vai restabelecer o serviço militar obrigatório, em meio a temores sobre o expansionismo da Rússia após a invasão da Ucrânia por Moscou.
“O atual sistema militar da Letônia atingiu seu limite. Enquanto isso, não temos motivos para pensar que a Rússia mudará seu comportamento”, disse o ministro da Defesa da Letônia, Artis Pabriks, a repórteres na terça-feira 5.
A Letônia havia descartado o serviço obrigatório alguns anos depois de ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Desde 2007, as forças armadas do país consistem em soldados de carreira junto com voluntários da guarda nacional, que servem na infantaria em meio período nos fins de semana.
O país de menos de 2 milhões de habitantes, que faz fronteira com Belarus e com a Rússia, tem apenas 7.500 militares (somando soldados da ativa e membros da guarda nacional), apoiados por 1.500 soldados da Otan.
Pabriks disse que a exigência do serviço militar obrigatório se aplicaria apenas aos homens e entraria em vigor no próximo ano.
Gatis Priede, um soldado da guarda nacional, chamou a medida de “a melhor notícia” e disse que a decisão deveria ter sido tomada logo depois que a Rússia anexou a Crimeia em 2014.
“Esta é a coisa certa – treinar mais reservistas para nosso exército e para a força geral da Otan, que ainda está criticamente em falta no norte da Europa e na região do Báltico”, disse ele.
Pabriks também anunciou planos para construir outra base militar perto da cidade de Jēkabpils, no sudeste, localizada mais perto da fronteira russa do que sua base existente em Ādaži.
A mudança estratégica é mais um indício da tendência de militarização da Europa após a invasão russa. A União Europeia trabalhou por anos, chefiada por nações como a Alemanha, para reduzir a quantidade de armas e soldados no continente. No entanto, como já ficou claro pelo pedido de adesão da Finlândia e da Suécia à Otan – duas nações historicamente neutras –, não é apenas a Ucrânia que sairá do conflito profundamente alterada.
+ Os efeitos do pedido da Finlândia e da Suécia para entrar na Otan
Segundo o historiador da Universidade de Stanford James Sheehan escreve no livro “Where Have all the Soldiers Gone? The Transformation of Modern Europe” (Mariner Books, 2009), ou “Para onde foram todos os soldados? A Transformação da Europa Moderna”, em tradução livre, durante o século 20 a Europa passou de “um estado militar” para um “estado civil” depois da Guerra Fria – em que morrer em guerras não fazia mais parte do contrato social.
Cerca de uma década depois, um outro livro oferece uma perspectiva diferente. “The Militarization of the European Union” (Cambridge Scholars Publishing, 2021) – na tradução livre, “A Militarização da União Europeia” – afirma que “o apetite da União Europeia para permanecer refém das políticas anglo-americanas está diminuindo e, nesse contexto, a indústria de defesa europeia desenvolveu uma estratégia para conduzir a União Europeia no caminho da militarização”.
Em 27 de agosto de 2019, em um discurso aos principais diplomatas do país reunidos em Paris, o presidente francês Emmanuel Macron declarou que o mundo estava no meio de “uma grande transformação, uma recomposição geopolítica e estratégica”. Essa transformação, declarou o presidente, representou nada menos que “o fim da hegemonia ocidental sobre o mundo”. Para garantir seu poderio, a União Europeia precisaria tornar-se, além de uma força política, uma força militar.
Ou seja, não foi a guerra na Ucrânia que deu a largada na tendência. Mas Rússia acelerou o processo ao concretizar a situação descrita por Macron.
Não existem muitas certezas sobre o desfecho desta guerra na Europa. Mas a guerra russo-ucraniana uniu a Europa contra o presidente Vladimir Putin e consolidou a Otan e a União Europeia, preparando o terreno para a criação de um potencial exército europeu.