Lula diz que papa Francisco compartilha sua visão da guerra na Ucrânia
Ambos concordam que é preciso haver 'vários atores' envolvidos no diálogo sobre a paz, diz Lula após visita à Itália
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira, 22, que, na conversa que teve com o papa Francisco, no dia anterior, os dois se alinharam sobre o melhor caminho a seguir para alcançar a paz na Ucrânia. Segundo o petista, ambos acreditam que é preciso envolver “vários atores” nas negociações – um aceno ao que ele chama de “clube de paz”.
O mandatário brasileiro disse que ele e Francisco concordaram que é preciso haver diversas partes envolvidas no diálogo sobre o fim da guerra da Ucrânia, para chegar a um denominador comum que leve a um acordo entre Kiev e Moscou. Como de praxe, defendeu também a necessidade de uma nova ordem mundial que represente as transformações geopolíticas das últimas décadas.
“Estou de acordo com o papa Francisco: é preciso ter gente envolvida em discutir a questão da paz. É preciso colocar os atores numa mesa de negociação, parar de atirar e tentar encontrar uma solução pacífica”, disse, durante entrevista coletiva concedida em Roma, antes de seguir viagem para a França.
“Já conversamos com Índia, Indonésia, China, na perspectiva de criar uma consciência e um grupo que possa construir a paz. Nesse aspecto, o papa é uma pessoa extremamente importante”, completou.
Lula destacou o papel de seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, que fez viagem tanto à Ucrânia quanto à Rússia, nesses esforços. Segundo o presidente, Amorim se encontrou em Roma com o cardeal Matteo Zuppi, espécie de diplomata papal que Francisco enviou a Kiev.
O pontífice agora planeja enviar Zuppi também a Moscou e espera que Lula, por manter comunicações abertas com o presidente russo, Vladimir Putin, possa auxiliar na missão. O Vaticano enxerga Lula – e outros líderes, como o cubano Miguel Díaz-Canel, que também manteve audiência com o papa nesta semana – como peça-chave para chegar até os expoentes do Kremlin.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no entanto, já refutou a ideia de um “clube de paz” por diversas vezes, dizendo que só voltaria a negociar com a Rússia se todo o exército deixasse o território ucraniano (incluindo a Crimeia, anexada por Moscou em 2014). Ele também comentou ironicamente a um canal de TV italiano, após ter sido recebido no Vaticano, que dispensava a mediação do papa.
“Com todo o respeito à Sua Santidade, não precisamos de mediadores, precisamos de uma paz justa”, disse.
Para Zelensky, o único plano de paz viável é o da Ucrânia, que, além de completa integridade territorial, descarta a possibilidade de um cessar-fogo, como sugerem Lula e Francisco.
A mídia italiana questionou Lula sobre detalhes de seu plano de paz, e ele disse ser contra uma rendição total dos russos.
“Num acordo de paz, os envolvidos têm que ganhar alguma coisa, ou então não tem acordo. Se você tem uma proposta em que alguém tem que ceder 100%, não é acordo, é rendição”, afirmou.
Na coletiva, o petista também disse que Celso Amorim participará, neste fim de semana, de uma cúpula na Dinamarca com representantes de países em desenvolvimento que advogam a postura de neutralidade no conflito. Além do Brasil, estarão presentes autoridades da Índia e da África do Sul – autoridades da China e Turquia também podem participar. Os Estados Unidos enviarão Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, para o encontro.
O jornal britânico Financial Times reportou nesta quinta-feira que Sullivan “viaja para encontrar Índia, Brasil e outros do Sul Global a pedido de Kiev”. Segundo o veículo, Washington tem incentivado “os outros membros do Brics, fora a Rússia” a comparecer ao encontro em Copenhague.
“A ofensiva diplomática vem no momento em que [Zelensky] reconhece que a muito saudada contraofensiva está progredindo mais lentamente do que o esperado”, explica o Financial Times.
Vizinho problema
Na coletiva, Lula também disse que se comprometeu com o papa Francisco a conversar com Daniel Ortega, líder da Nicarágua, sobre a controversa prisão do bispo Rolando Álvarez, que em fevereiro foi condenado a mais de 26 anos de prisão por crimes considerados “traição contra a pátria”.
“Pretendo falar com o Ortega a respeito de liberar o bispo. Não tem por que ficar impedido de exercer a sua função na igreja, não existe essa possibilidade, então eu vou tentar ajudar”, afirmou o líder brasileiro.
Ortega é autor de uma série de ações contra a Igreja Católica no país, caracterizando-a como “uma máfia”. Em maio, seu governo congelou as contas bancárias de pelo menos três das nove dioceses da Nicarágua, para impedir seu funcionamento, e antes já havia banido celebrações da Quaresma e Semana Santa. Francisco chegou a classificar o governo sandinista como “ditadura grosseira”, em entrevista ao portal de notícias Infobae.
“A igreja está com problemas na Nicarágua, porque tem padre e bispo presos, e a única coisa que a igreja quer é que a Nicarágua libere o bispo para vir à Itália”, afirmou Lula. “Essas coisas nem sempre são fáceis porque nem todo mundo é grande para pedir desculpa. A palavra desculpa é simples, mas exige muita grandeza”, completou.
Aceno pragmático
Após o encontro marcado de última hora com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, Lula usou a coletiva de imprensa para compartilhar suas impressões sobre ela – uma vocal crítica do petista. A líder do partido Irmãos da Itália, com raízes no movimento neofascista do pós-II Guerra, está muito mais próxima de valores defendidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores.
“Sinceramente, fiquei bem impressionado com a Giorgia, a primeira mulher primeira-ministra da Itália, o que é uma novidade extraordinária no meio de tanto homem”, disse. “Senti que é uma mulher que tem a cabeça no lugar. Temos que torcer para que ela dê certo na Itália, e a Itália possa crescer nas mãos dela.”
Lula acrescentou que convidou Meloni e o presidente italiano, Sergui Mattarella, para uma visita ao Brasil, ressaltando que reuniões entre chefes de Estado (apesar de a política de extrema direita ser líder de governo) não devem se basear na ideologia.
“Quando um chefe de Estado se encontra com outro chefe de Estado, não está em jogo a questão ideológica. Importa é que ela defende os interesses do povo italiano, e eu, os do Brasil. Venho aqui para discutir o que é importante fazer para que os dois países possam sair ganhando”, disse o presidente brasileiro.