Lava Jato peruana fisgou quatro ex-presidentes subornados pela Odebrecht
Construtora pagou US$ 29 milhões em propinas; OAS, Camargo Correa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez também estão envolvidas no esquema
No Peru, “brasileiro” virou sinônimo de corruptor, safado e meliante. Não à toa. O esquema montado pela Odebrecht e por outras quatro construtoras brasileiras no país vizinho levou sua Justiça a determinar a prisão de quatro ex-presidentes, além de ministros e de outras autoridades de seus governos. O caso envolveu o pagamento total de 36 milhões de dólares em subornos entre 2005 e 2014, em troca de benefícios e contratos de obras para as empresas, segundo a Proetica, seção peruana da Transparência Internacional.
A investigação no Peru nasceu como desdobramento local da Lava Jato brasileira e recebeu o mesmo nome. Assim como do lado de cá da América do Sul, do lado de lá, Lava Jato é sinônimo de esquema gigantesco de corrupção fomentado por empreiteiras e por políticos famintos por propinas. O Instituto Peruano de Economia (IPE) estima que a corrupção provocou, somente em 2017, perda de 0,5 ponto porcentual no Produto Interno Bruto do país.
A construtora Odebrecht foi a protagonista do escândalo no Peru, onde as investigações foram desencadeadas especialmente depois da declaração de seu então presidente, Marcelo Odebrecht, à Justiça dos Estados Unidos. Em seu depoimento, ele mencionou ter pago 29 milhões de dólares aos então presidentes Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala, valor que rendeu ganhos de 143 milhões de dólares à companhia.
Governos regionais igualmente foram suscetíveis ao esquema montado em torno de obras milionárias de infraestrutura. No âmbito federal, foram pelo menos 18 obras, entre as quais a Linha 1 do Metrô de Lima, o gasoduto Sul Peruano, a Rodovia Interoceânica e outras estradas, pontes e projetos de sistema de água potável e de irrigação.
No Peru, assim como no Brasil, o esquema abrangeu políticos de primeira linha de diferentes partidos e ideologias – do esquerdista Partido Nacionalista Peruano, de Humala, ao Peruanos por el Kambio, de Pedro Pablo Kuczynski, passando pelo Partido Aprista de García, de centro-direita, e pelo Peru Posible, legenda de centro-esquerda de Toledo. Além da Odebrecht, as empreiteiras brasileiras OAS, Camargo Correa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez também estão envolvidas na Lava Jato peruano.
No final do ano passado, a Odebrecht assinou um acordo de cooperação com o Ministério Público do Peru que, entre suas cláusulas, está o pagamento de 182 milhões dólares em reparação civil ao estado peruano. A empresa tem se movimentado para recuperar sua imagem no país vizinho, um de seus principais mercados na região, e para retomar seus negócios lícitos.
Desde que o caso veio à tona, a Odebrecht está impedida de participar de licitações públicas e sofreu, como líder do consórcio de construção do Gasoduto do Sul, com o cancelamento do contrato. O valor da obra alcançava 7 bilhões de dólares. A empresa foi ainda obrigada a pagar multa de 262 milhões de dólares por não ter conseguido financiamento para a conclusão da obra no prazo previsto.
Crime e castigo
Alejandro Toledo, presidente peruano entre 2001 e 2006, teve sua prisão preventiva por 18 meses determinada em fevereiro de 2017. Ele é suspeito de ter recebido 20 milhões de dólares em propinas para favorecer a empresa brasileira na concessão das obras da Rodovia Interoceânica Sul, que conecta o Brasil ao Peru. Vive nos Estados Unidos, onde ainda corre um processo de extradição. A Justiça peruana estipulou uma recompensa de 30.000 dólares pela sua entrega.
Alan García, presidente entre 2006 e 2011, substituiu Toledo no governo e, supostamente, nos negócios escusos também. É investigado por ter recebido doações da Odebrecht para sua campanha de 2006 e, já em seu governo, para beneficiar a empresa na licitação das obras da Linha 1 do Metrô de Lima. Como presente, García ganhou da Odebrecht uma réplica do Cristo Redentor do Rio de Janeiro, instalada no balneário de Chorrillos e voltada para o Oceano Pacífico.
O tenente-coronel do Exército Ollanta Humala, de esquerda, elegeu-se presidente do Peru em 2011 e governou até 2016. No ano seguinte, foi condenado a 1 ano e seis meses de prisão, junto com sua mulher Nadine, por ter se valido de financiamento ilegal de campanha e recebido 3 milhões de dólares das construtoras Odebrecht e OAS.
Está em liberdade, mas ainda sob investigação pela Lava Jato peruana.
Pedro Pablo Kuczynski não chegou a completar dois anos na Presidência do Peru. Tomou posse em julho de 2016 e, em março do ano passado, renunciou diante de uma profunda crise política. Na Justiça, responde por propinas recebidas quando era ministro de Toledo e por lavagem de dinheiro. Foi preso último dia 10.
O próprio PPK adotou as primeiras medidas de combate à corrupção como reação ao escândalo da Lava Jato peruana. Segundo a Proetica, uma de suas iniciativas foi uma mudança na Lei de Licitações para impedir a contratação de empresas condenadas por corrupção.
No Congresso, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito – a Comissão Lava Jato – para investigar o pagamento de propinas pelas cinco construtoras brasileiras. O atual presidente do país, Martín Vizcarra, fez do combate à corrupção sua principal bandeira. Até o momento, não há acusações contra ele.