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Itália: nas mãos do super Mario

Economista mundialmente respeitado assume o governo e faz renascer a esperança de que o país, assolado pelo vírus, comece a sair do fundo do poço

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h34 - Publicado em 19 fev 2021, 06h00

Cada governo que assume na Itália — e tem sido uma média de um por ano, desde a II Guerra — precisa bajular, ameaçar e contemporizar para conseguir formar uma coalizão que lhe dê maioria, geralmente raquítica, no Parlamento. Foi, portanto, com espanto e grande dose de otimismo que os italianos viram partidos de todos os espectros praticamente implorar por uma vaga no gabinete de Mario Draghi, economista sem nenhuma tradição política indicado pelo presidente Sergio Mattarella para ocupar o cargo de primeiro-ministro. Ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Draghi, de 73 anos, ganhou ares de herói — o “Super Mario” — durante os oito anos na função pela habilidade com que superou uma crise financeira e praticamente garantiu a sobrevivência do euro como moeda única da União Europeia. Desta vez, o pesadelo é mais monumental: a Itália, que já amargava uma economia estagnada, desabou de vez sob o ataque do novo coronavírus, que a atingiu de modo brutal. “Vencer a pandemia, terminar a campanha de vacinação, dar respostas aos cidadãos e relançar o país — são esses os desafios que enfrentamos. É um momento difícil”, admi­tiu, em breve (outra surpresa para os italianos) discurso de posse.

A legislação italiana permite que alguém que não passou pelo teste das urnas assuma o comando do país. O expediente já foi usado no passado, mas nunca com tamanha expectativa. “Mario Draghi é um técnico com vasto conhecimento econômico, competente e responsável”, elogia Vincenzo Emanuele, cientista político e professor da Universidade de Estudos Sociais Guido Carli, de Roma. O economista chegou ao poder depois que o segundo governo comandado pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte desmoronou. Conte ainda tentou formar uma terceira aliança, mas fracassou, e acabou passando a sineta-­símbolo do cargo para Draghi. “A necessidade de nomear um governo não eleito demonstra a incapacidade das lideranças políticas atuais de chegar a um acordo em benefício do povo”, avalia Cecilia Sottilotta, professora de relações internacionais da Universidade Americana de Roma.

A indicação será certamente confirmada pelo Parlamento, já que Draghi tem amplo apoio dos diferentes setores da política italiana. Seu gabinete vai dos direitistas da Liga, do populista Matteo Salvini, aos militantes anti-establishment do Movimento 5 Estrelas, passando pelo Partido Democrático, de centro-esquerda, e pela esquerda, com uma farta divisão de ministérios entre políticos e reserva das pastas mais críticas para nomes essencialmente técnicos. À frente desse saco de gatos, Draghi tem como missão primordial assegurar que irá para o destino certo, e com eficiência, a parcela italiana da bolada de 750 bilhões de euros que serão distribuídos entre os integrantes da União Europeia para que se recuperem do desastroso 2020 — uma quantia arrecadada de inédita forma coletiva, no bloco onde os interesses individuais costumam falar mais alto, com a emissão de títulos nacionais e divisão dos recursos na forma de doações.

À Itália, cabe a parte do leão, mais de 200 bilhões de euros, valor que, somado à verba do orçamento anual, pode vir a corresponder a quase 20% do PIB italiano antes da pandemia. Terceira maior economia da UE, o país sofreu um tombo de quase 9% no PIB em 2020. Como se não bastasse, o novo primeiro-ministro assume com uma das piores taxas de mortalidade de Covid-19 per capita do mundo: são quase trinta óbitos para cada milhão de habitantes nas últimas semanas. A vacinação caminha a passos lentos, como em toda a Europa. Espera-se que Super Mario use o entusiasmo do início do governo para aprovar medidas que atenuem a burocracia e modernizem o sistema jurídico, dois enormes entraves entre os diversos nós estruturais que amarram a Itália. Já será um ótimo começo.

Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726

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