Israel controla 50% de Gaza após arrasar terras e expandir zonas-tampão
Bairros foram transformados em escombros, ao passo que novos postos avançados do Exército israelense foram estabelecidos desde fim do cessar-fogo

O fim do cessar-fogo entre Israel e o grupo militante palestino Hamas, em março, levou ao retorno de bombardeios e operações israelenses, agora ampliadas, na Faixa de Gaza. Com isso, Israel passou a controlar 50% do enclave, espremeu milhões de palestinos em territórios cada vez menores e expandiu as zonas-tampão, áreas criadas supostamente para proteger soldados e civis israelenses de ataques dos militantes, ao mesmo tempo em que impede o deslocamento de palestinos. A informação foi divulgada pela agência de notícias Associated Press nesta segunda-feira, 7.
A zona-tampão nos arredores da fronteira de Gaza, maior área contígua sob controle de Israel, duplicou nas últimas semanas, de acordo com a AP. Por lá, terras agrícolas, casas, prédios e infraestruturas foram devastadas, de forma a impedir o retorno da população no futuro. O Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, estabelece como crime de guerra ataques direcionados a instalações civis, incluindo hospitais e edifícios dedicados à ajuda humanitária, educação e religião.
Juntos, a zona e o Corredor Netzarim, que isolou o norte do sul da Faixa de Gaza, compõem ao menos metade do enclave palestino, explicou Yaakov Garb, professor de estudos ambientais na Universidade Ben Gurion, à Associated Press. Na semana passada, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou que as Forças de Defesa de Israel (FDI) atuam para “dividir” o território em outro corredor de segurança para separar as cidades ao sul.
“Eles destruíram tudo o que puderam, atiraram em tudo que parecia estar funcionando… (Os palestinos) não terão nada para voltar, eles não voltarão, nunca”, disse um soldado de um esquadrão de tanques, sob condição de anonimato por medo de represálias, à agência de notícias.
+ Israel está ‘tomando territórios’ para ‘dividir’ Gaza em corredor de segurança, diz Netanyahu
Relatos de soldados
Um relatório divulgado pela ONG Breaking The Silence, um grupo anti-ocupação que permite que soldados contem confidencialmente o que ocorre em territórios palestinos, apontou que “por meio de destruição generalizada e deliberada, os militares lançaram as bases para o futuro controle israelense da área (da Faixa de Gaza)“.
“As FDI declararam uma zona tampão, pelo que lhe diz respeito, a 1,5 quilômetro da cerca para dentro (na direção de Gaza), que será uma área arrasada e civis não poderão estar lá. É tudo terra agrícola. Voltamos com os tanques (enquanto há) pilhas de tubos de irrigação nas trilhas. Acabado. Não tem mais. Um prédio com vista para a cerca será demolido”, contou um major, que atua na Divisão Norte de Gaza, à ONG.
Imagens de satélite mostram bairros transformados em escombros na zona-tampão, ao passo que uma dúzia de novos postos avançados do exército israelense foram estabelecidos desde o fim do cessar-fogo, que esteve em vigor de novembro do ano passado até março. Os bombardeios e ofensivas terrestres também devastaram cidades e vilas de Gaza. Mas a destruição de propriedades nas zonas sido mais metódica e extensa, de acordo com militares.
Soldados relataram à Associated Press que as tropas israelenses receberam ordens de destruir terras agrícolas, canos de irrigação, plantações e árvores, além de milhares estruturas residenciais e públicas. O plano teria como suposta finalidade destruir os esconderijos do Hamas. Mas eles indicaram que as áreas de controle não tinha limites demarcados e que palestinos que entraram foram alvejados, transformando-a em uma “zona de matança”.
“Eu fui para lá porque eles (militantes do Hamas) nos matam e agora nós vamos matá-los. E eu descobri que não estamos apenas matando eles. Nós estamos matando eles, estamos matando suas esposas, seus filhos, seus gatos, seus cachorros, e nós destruímos suas casas”, afirmou um soldado à AP, acrescentando que os militares se guiam por um senso de vingança pelos ataques de 7 de outubro de 2023.
Mais de 50 mil palestinos foram mortos desde o início da guerra. Grupos de direitos humanos dizem que deslocar pessoas à força é um crime de guerra em potencial e um crime contra a humanidade — esse último corresponde a “violações graves cometidas como parte de um ataque em larga escala contra qualquer população civil”, incluindo deportação. Mais do que isso, o que ocorre nas zonas de proteção pode ser considerado uma “limpeza étnica”, uma vez que as destruição das infraestruturas impedirá o retorno dos palestinos, destacou Nadia Hardman, pesquisadora da Human Rights Watch, à AP.