Investigadora da ONU denuncia torturas cometidas pelos EUA em Guantánamo
Fionnuala Ní Aoláin citou responsabilidade americana de reparar danos e fornecer tratamento adequado às vítimas
A primeira investigadora das Nações Unidas a ter permissão para visitar Guantánamo pediu ao governo dos Estados Unidos que forneça tratamento de reabilitação urgente para homens torturados por forças americanas após o 11 de setembro. Ela afirma que os detentos devem recebem cuidados físicos e psicológicos e Washington precisa cumprir compromissos sob o direito internacional.
Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, a monitora da ONU para os direitos humanos no combate ao terrorismo, Fionnuala Ní Aoláin, disse que os EUA têm a responsabilidade de reparar os danos que infligiram a vítimas de torturas durante detenção. O tratamento médico existente, tanto no campo de prisioneiros em Cuba como para os detidos libertados para outros países, era inadequado para lidar com múltiplos problemas, como lesões cerebrais traumáticas, incapacidades permanentes, distúrbios do sono, flashbacks e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
“Esses homens são todos sobreviventes de tortura, um crime único sob a lei internacional e precisam urgentemente de cuidados”, disse Ní Aoláin. “A tortura quebra uma pessoa, tem objetivo de tornar ela indefesa e impotente para que ela pare de funcionar psicologicamente, e em minhas conversas com atuais e ex-detentos, observei os danos que isso causou.”
Em fevereiro, Ní Aoláin obteve acesso sem precedentes ao centro de detenção em Guantánamo, onde 30 homens ainda estão detidos até hoje. No relatório de sua visita de quatro dias, ela constatou que a falha em fornecer cuidados especializados com foco na reparação do impacto de longo prazo da tortura, que representava um “tratamento cruel, desumano e degradante”.
“Sem exceção, cada indivíduo que conheci exibe condições médicas relacionadas aos danos físicos sofridos por entrega e tortura, ou sofrimento psicológico profundo, como ansiedade, depressão, trauma extremo e ideação suicida”, disse Ní Aoláin ao The Guardian.
Os abusos mais extremos ocorreram até 20 anos atrás durante o programa de tortura da CIA, a agência de inteligência civil dos EUA, contra suspeitos de terrorismo islâmico pós-11 de setembro. Pelo menos 119 homens foram torturados no período e, apesar da passagem do tempo, os efeitos físicos continuam.
“A linha divisória entre o passado e o presente é muito estreita para esses homens. Em alguns, é inexistente: habitam corpos profundamente feridos por atos de tortura”, explicou a investigadora.
Paradoxalmente, os Estados Unidos são líderes mundiais na criação de tratamento para sobreviventes de tortura. Os militares dos EUA, bem como os centros acadêmicos que trabalham com requerentes de asilo de todo o mundo, têm conhecimento científico avançado sobre como ajudar as vítimas a lidar com a situação. Porém, esse conhecimento não foi aplicado aos prisioneiros em Guantánamo.
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Uma das exigências da monitora é que os detidos sejam tratados por uma equipe médica independente. Atualmente, os detentos são atendidos por médicos militares, o que pode causar gatilhos nas vítimas de tortura.
“Para esses detentos, o uniforme está associado a uma profunda falta de confiança e a um histórico de uso indevido de tratamento médico. Uma pessoa que foi torturada pode perder a confiança em todo o sistema”, disse Ní Aoláin.
A investigadora foi autorizada a visitar todas as categorias de detentos de Guantánamo, incluindo o grupo de cinco indivíduos chamados de “alto valor”, acusados de planejar os ataques de 11 de setembro. Um deles, Ammar al Baluchi, revelou por meio de seu advogado que sofre de traumatismo cranioencefálico por ter tido sua cabeça esmagada contra a parede repetidamente e não consegue dormir por mais de duas horas por ter sido privado de sono.
Os sintomas de al Baluchi incluem dores de cabeça, tonturas, dificuldade para pensar e realizar tarefas simples. Segundo seu advogado, é esperado que os problemas piorem com o tempo.
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