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‘Ideologia não deve interferir’, diz ex-embaixador sobre voto contra Cuba

Diplomatas criticam decisão brasileira de romper tradição histórica e apoiar embargo americano a Cuba. 'Governo é visto com menosprezo', diz Rubens Ricupero

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 nov 2019, 13h24 - Publicado em 8 nov 2019, 12h37

O Brasil votou pela primeira vez na ONU a favor do embargo econômico imposto em 1962 pelos Estados Unidos a Cuba, rompendo uma posição diplomática tradicional. Para os ex-embaixadores brasileiros em Washington Rubens Barbosa e Rubens Ricupero, o país precisa priorizar os interesses internos e sua reputação internacional, e não a ideologia.

“A ideologia não pode interferir na política externa”, afirma Barbosa. “O Brasil tem que defender os próprios interesses em primeiro lugar”, completa o embaixador, crítico da política externa dos governos petistas.

“É uma decisão que confirma o crescente isolamento do Brasil nas grandes questões internacionais”, diz Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e embaixador nos Estados Unidos. “O Brasil não é potencia militar ou nuclear, mas possuía um certo prestígio que nascia da qualidade da sua diplomacia. Agora é visto quase com menosprezo.”

A Assembleia-Geral aprova anualmente, há 28 anos, uma resolução que condena e pede o fim do embargo. A medida foi adotada mais uma vez nesta quinta-feira 7, com 187 votos favoráveis e esmagadora maioria.

Desta vez, contudo, o governo brasileiro apresentou apoio aos Estados Unidos pela primeira vez. Israel também votou com os americanos, enquanto Colômbia e Ucrânia optaram pela abstenção. A Moldávia escolheu não exercer o direito a voto sobre a resolução.

O voto do governo de Jair Bolsonaro contraria o posicionamento histórico da diplomacia brasileira de condenar medidas unilaterais econômicas contra países, vetadas pela ONU. Porém, a decisão está de acordo com o alinhamento recente do Brasil com a política promovida pelos Estados Unidos e pelo presidente Donald Trump, e com as críticas constantes aos governos de esquerda da região.

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Para Rubens Ricupero, a decisão de vetar a resolução que condena o embargo vai contra o movimento comandado pela ONU em prol do direito internacional. Segundo o embaixador, as Nações Unidas condenam as sanções econômicas aplicadas de forma unilateral, sem a aprovação do Conselho de Segurança.

“Quem vota contra o embargo vota em defesa da lei internacional e quem vota como o Brasil votou, negando essa censura, está no fundo aprovando um tipo de medida que é totalmente ilegal pela carta da ONU”, diz.

“Quando um país adota uma postura como essa, passa a ser visto como uma nação de extremistas, um país de extrema-direita”, afirma o ex-embaixador em Washington. “Essa postura apenas torna cada vez maior nosso desprestígio internacional e acentua os equívocos da política externa”.

Nas redes sociais, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que “o Brasil votou a favor da verdade” e “nada nos solidariza com Cuba”. Em uma série de oito tuítes em tom esbravejador, que se tornaram rotina para o chanceler nas últimas semanas, Araújo também afirmou que a ilha “tornou-se um centro regional de promoção e assistência a ditaduras comunistas” que “tenta impor esse modelo ao Brasil e praticamente todos os países da América Latina”.

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“O comunismo é sempre e necessariamente um projeto de dominação transnacional e antinacional”, escreveu. “A influência que Cuba possui entre os países em desenvolvimento no sistema ONU é uma vergonha e precisa ser rompida”.

Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, em setembro, Bolsonaro afirmou que um plano de Fidel Castro, Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva para estabelecer o socialismo na América Latina ainda estava vivo e precisava ser combatido.

O presidente ainda abriu frentes de ataques severos contra governos de esquerda no Brasil e tratou de temas que marcaram sua eleição para presidente, como a oposição ao Foro de São Paulo e à vinda de médicos cubanos para trabalhar no país.

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O chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez, denunciou no início desta semana “pressões” feitas pelos Estados Unidos sobre países latino-americanos para votarem contra a resolução na ONU. Após a aprovação do documento, afirmou que Washington “não esconde seu propósito de asfixiar economicamente Cuba e aumentar danos, carências e sofrimento de nosso povo”.

Alinhamento com os EUA

Antes mesmo de tomar posse como presidente, Bolsonaro já dava indicativos de seu alinhamento com a política promovida pelos Estados Unidos. Insinuou que pretendia retirar o Brasil do Acordo de Paris para o clima e transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém – as duas medidas foram adotadas pelo governo de Donald Trump. O presidente voltou atrás após assumir o cargo e receber muitas críticas por seus comentários.

Ainda assim, durante a visita de Bolsonaro a Jerusalém em abril, o governo brasileiro anunciou a abertura de um escritório voltado para as áreas de comércio, ciência e tecnologia e inovação na cidade santa.

A Guatemala, único país a acompanhar os Estados Unidos e transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, votou contra o embargo.

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A abstenção da Colômbia resulta de um esfriamento de suas relações com Cuba.

Cuba chegou a sediar conversas de paz entre a Colômbia e seu grupo rebelde Exército de Libertação Nacional (ELN), mas a recusa de Havana de extraditar três comandantes guerrilheiros depois que as negociações fracassaram provocaram diversas críticas do governo do presidente Iván Duque.

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