A lição holandesa para o Brasil
Projetos holandeses inovadores revolucionaram a qualidade dos serviços de saúde para a terceira idade no país
Jovens universitários que cuidam de idosos, uma vila em que todos os moradores sofrem de demência avançada, tratamento de saúde à domicílio para toda a população e um website que oferece amplo apoio àqueles que sofrem com doença de Parkinson. Esses são apenas alguns projetos desenvolvidos recentemente pela Holanda para estimular a prevenção de doenças, inovar o sistema de saúde e, principalmente, cuidar dos idosos.
As ideias vindas do Velho Continente são cada vez mais válidas para o Brasil, já que temos uma população de idosos cada vez maior. Segundo informações da Projeção da População por Sexo e Idade, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estratégia), a população acima de 60 anos alcançará 18,6% da população em 2030, e, em 2060, 33,7%.
“O Brasil está envelhecendo muito rapidamente. A França levou 145 anos para dobrar a proporção de idosos de 10% para 20%, de 1845 até 1990. Os brasileiros alcançarão patamar semelhante em 19 anos. O que a França levou um século e meio, nós vamos fazer em duas décadas”, diz Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade do Brasil.
A longevidade dos cidadãos preocupa muitos países, pela sobrecarga que gera para o sistema de saúde. Não a Holanda. Lá, 18,35% dos cidadãos são idosos, segundo dados da Central de Inteligência dos Estados Unidos e o sistema de saúde foi consagrado por seis vezes como o melhor da Europa, segundo o Euro Health Consumer Index.
“O que nós gostaríamos de compartilhar com os brasileiros é esse estímulo as parcerias público-privadas, que está no DNA dos holandeses e é isso que traz inovações tecnológicas e sociais”, diz a VEJA Nico H. Schiettekatte, Conselheiro de Inovação e Diretor Executivo do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação do Consulado Geral do Reino dos Países Baixos em São Paulo.
A solução é inovar
O sucesso holandês na área da saúde é atribuído ao desenvolvimento de novos projetos e a parceria público-privada, concluída em 2006, que transferiu a responsabilidade dos programas de saúde às seguradoras.
“A grande pretensão do governo era aplicar um sistema de saúde de maior qualidade, com o menor preço possível e com igualdade de direitos. Assim, o sistema de saúde holandês baseia-se na relação entre os cidadãos, as seguradoras e os hospitais. O governo possui a função de regulamentar essa dinâmica. Na Holanda 99,9% da população tem acesso à planos de saúde”, diz a VEJA o vice-ministro da Saúde da Holanda desde 2014, Bas van den Dungen.
Conheça algumas das iniciativas holandesas:
Asilos para os jovens
De acordo com uma pesquisa realizada pela University College de Londres, em 2013, o isolamento social traz muitos malefícios aos idosos, entre eles, a diminuição da expectativa de vida e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e infecciosas.
Pensando no bem-estar de seus residentes e no aumento no preço dos aluguéis da região, o Instituto Humanitas lançou um projeto inovador que trouxe jovens universitários para viver no instituto sem pagar aluguel e, em contrapartida, cuidar dos idosos.
A ideia surgiu em 2012. Atualmente, seis estudantes vivem como acompanhantes. Em troca do aluguel, eles dedicam 30 horas de trabalho semanalmente como “bom vizinho”. Ler livros, ir às compras, e sair para passear estão entre as atividades conjuntas. Há uma divisão de tarefas: durante a semana, os estudantes se revezam na preparação do jantar para os idosos. O estudante que não entra na divisão fica responsável por cuidar das redes sociais do instituto.
Além dos estudantes, o Humanitas abriga 160 residentes, 200 trabalhadores, 200 voluntários. “O esforço é direcionado para o desenvolvimento de uma sociedade inclusiva. O projeto é relativamente novo, mas até agora pessoas de 30 países já vieram nos visitar para aprender, se inspirar ou experimentar o conceito por si”, diz a VEJA a diretora do Instituto Humanitas, Gea Sijpkes.
O projeto se espalhou por outros países, como a Finlândia, que possui um programa intitulado “Otom Muotoinen Koti”, que hospeda jovens com menos de 25 anos em um lar de idosos da cidade por um ano.
Vila da demência (Hogeweyk)
Condomínios com ampla infraestrutura e atividades são muito comuns ao redor do mundo. Em Hogeweyk, os moradores são idosos que podem desfrutar de diversas comodidades como um pequeno supermercado, um teatro, um restaurante, um salão de beleza, um café, além de diversas atividades como clubes de jardinagem, música e pintura.
Mas a grande peculiaridade de Hogeweyk, localizada na cidade de Weesp, na Holanda, é que os moradores são idosos que sofrem de demência severa, como aqueles que foram acometidos pela doença de Alzheimer, ou Parkinson.
Os residentes são confinados na vila e monitorados 24 horas por dia, para sua própria segurança. Dentro do bairro eles possuem ampla liberdade. A vila possui ruas, jardins, fontes e praças.
Os funcionários dos estabelecimentos são cuidadores treinados, mas não se vestem de branco para que os moradores sintam que estão tendo uma vida normal, sem a presença de profissionais de saúde durante todo o tempo. Além disso, os moradores não precisam utilizar dinheiro para realizar as transações. Todos os custos de produtos e serviços são inclusos no valor pago pelas famílias dos idosos mensalmente.
O projeto só começou a funcionar em 2010, mas a ideia surgiu em 1993. “Nós queríamos dar o mesmo tipo de cuidado que gostaríamos de receber. A ideia não é viver em uma instituição e sim ter uma vida normal e focar no bem-estar”, disse a VEJA um dos fundadores do projeto, Eloy van Hal.
Apesar da construção da vila ter sido custeada pelo governo holandês, os moradores pagam um valor mensal para residir em Hogeweyk, que varia de acordo com a condição financeira do residente. De acordo com Van Hal, os moradores podem pagar até 2.300 euros por mês (aproximadamente oito mil reais). Aqueles que não têm condição de pagar pelo serviço, podem viver na vila de graça.
Médico de porta em porta
Os holandeses contam também com um inovador serviço de atendimento domiciliar para a terceira idade. A ideia surgiu há dez anos e já atingiu mais de 24 países ao redor do mundo. “Nos anos 1980 e 1990, a Holanda tinha um sistema de saúde muito complicado, de baixa qualidade e com altos custos. Os clientes não estavam mais satisfeitos. Isso nos motivou a idealizar um novo modelo de negócio, cuidar de pessoas idosas em suas residências”, disse a VEJA Gertje van Roessell, diretora da empresa Buurtzorg.
A Buurtzorg atua com enfermeiros credenciados organizados em equipes pequenas de até 12 profissionais. Cada grupo é independente e atende as demandas de um determinado bairro. A organização começou com apenas quatro profissionais, e já conta com mais de 10 mil funcionários em todo o país. Esse projeto visa, principalmente, a identificação de diagnósticos precoces que auxiliem no tratamento de doenças graves.
“Sentimos que as pessoas estão muito felizes com esse novo jeito de trabalhar. Elas sentem que estão sendo tratadas por um time pequeno. Dessa forma, elas conhecem todos os membros do grupo e sentem confiança nos profissionais. Já sob a perspetiva dos profissionais, eles estão muito felizes, pois trabalham de maneira autônoma e estão livres para fazer o que eles acreditam ser necessário para os clientes. Por fim, sob a ótica das finanças, esse modelo de negócio custa menos e possui uma qualidade alta”, acrescentou Roessell.
ParkinsonNet
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, 1% da população mundial sofre de Parkinson. A doença não possui cura, mas tem tratamento. Pensando nesses pacientes, Bas Bloem decidiu criar uma plataforma online que permite que as vítimas da doença e seus familiares possam encontrar prestadores de serviço de saúde em seu bairro. Atualmente, a equipe é composta por uma rede de 3 mil profissionais, entre enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, neurologista, psicólogos, psiquiatras e fonoaudiólogos.
Além do acesso aos profissionais, a plataforma também oferece um serviço de informação personalizado e simples. Os colaboradores utilizam como base de suas consultas um manual de orientação que segue padrões internacionais, e são coordenados por uma equipe do Centro Médico Nijmegen, da Universidade de Radboud, que tem como líderes os fundadores ParkinsonNet, Prof. Dr. Bastiaan Bloem e Dr. Marten Munneke.
O projeto já foi implementado na Califórnia e na Noruega.