Governo Lula alerta EUA que tarifaço pode prejudicar relação comercial
Documento enviado a escritório de comércio dos EUA destaca consequências negativas da guerra comercial e acusa Trump de violar compromissos da OMC

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alertou num documento oficial enviado ao Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), que a perspectiva de um tarifaço do presidente americano, Donald Trump, contra o Brasil pode “prejudicar gravemente” a relação comercial entre os dois países.
O USTR é uma das entidades encarregadas por Trump de fazer uma revisão de trocas comerciais consideradas “injustas” pelo republicano. O documento foi protocolado depois que o órgão abriu, em 20 de fevereiro, uma consulta pública para que cidadãos, empresas e outras instituições fizessem comentários a respeito da medida de “tarifas recíprocas”, que o governo Trump promete implementar a partir de 2 de abril. O instrumento funciona como uma forma de retaliação comercial: os Estados Unidos passarão a cobrar sobre importações estrangeiras o mesmo percentual de taxas que esses países aplicam sobre produtos americanos.
Segundo o banco Bradesco, a tarifa média brasileira de importação para os Estados Unidos é de 11,3%, com alíquotas mais elevadas para bens de consumo e quase inexistentes para combustíveis. Em contrapartida, as tarifas aplicadas pelos americanos aos produtos brasileiros são significativamente mais baixas, com uma média de apenas 2,2%. No entanto, o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), ressaltou que a tarifa efetivamente aplicada pelo Brasil no comércio com os Estados Unidos é de apenas 2,7% em média, abaixo do índice nominal de 11,3%.
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O ônus das tarifas recíprocas se somaria à alta de impostos já aplicada ao aço e alumínio – cerca de metade das exportações de aço do Brasil vai para os Estados Unidos, o que coloca em risco uma fatia importante da produção siderúrgica brasileira. Segundo dados do governo americano, no ano passado, o Canadá foi seu maior fornecedor de aço, em volume, com 20,9% do total, seguido por Brasil (16%) e México (11,1%).
O que diz o Brasil?
No documento, que foi protocolado em 11 de março, o governo brasileiro estimou em US$ 7,4 bilhões (cerca de R$ 42,18 bilhões) o prejuízo com as tarifas, o que é equivalente ao superávit registrado pelos Estados Unidos com o Brasil no ano passado. O destaca que as taxas pesariam sobre a integração das cadeias produtivas entre os dois países e afetariam os negócios dos americanos.
“Os Estados Unidos desfrutaram de um superávit comercial consistente com o Brasil ao longo dos últimos 15 anos, acumulando um superávit total de US$ 160 bilhões em bens e mais de US$ 410 bilhões em bens e serviços, de acordo com as estatísticas dos EUA”, disse a declaração.
Mais contundentes são as críticas do governo Lula na parte que trata das tarifas recíprocas, afirmando que elas vão contra as regras e compromissos da Organização Mundial do Comércio: “É importante destacar que a abordagem dos Estados Unidos sobre a questão viola seus compromissos legais sob a OMC, desfaz o equilíbrio alcançado em negociações passadas e é prejudicial às suas relações econômicas com parceiros de longa data, como o Brasil.”
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O documento argumenta que, se Washington está infeliz com as tarifas acordadas no âmbito da OMC, a saída é renegociar esses valores com seus parceiros, e não iniciar uma guerra comercial.
Além disso, sobre a principal queixa dos Estados Unidos – as barreiras comerciais do Brasil à importação de etanol – o texto alega que o imposto aplicado está dentro dos limites permitidos pela OMC e “reflete as características econômicas, sociais e ambientais relacionadas à produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, particularmente na região Nordeste do país”.
“No mesmo setor de açúcar e álcool, enquanto a tarifa sobre as importações de açúcar no Brasil é de 7%, os Estados Unidos mantêm uma tarifa de US$ 340 por tonelada (equivalente a uma taxa de aproximadamente 80%), o que penaliza as exportações brasileiras do produto para os Estados Unidos. Para registro, o Brasil não aplica nenhuma tarifa equivalente a um imposto de 80%”, diz.
Na aparente tentativa de se equilibrar entre críticas e não despertar a ira de Trump, o governo Lula conclui no documento que os objetivos dos Estados Unidos de desenvolver a indústria nacional e gerar empregos (as justificativas por trás dos tarifaços) são legítimos. No entanto, ressalta que as políticas comerciais não devem violar entendimentos prévios entre os dois países. Do contrário, arrisca-se “alimentar uma espiral negativa de medidas que poderiam prejudicar gravemente nossa relação comercial mutuamente benéfica”.