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‘Fomos muito ingênuos’, diz ativista da Praça da Paz Celestial

Jianli, sobrevivente do massacre da Tiananmen e ativista renomado, revê os erros dos estudantes chineses

Por Kátia Mello
Atualizado em 5 jun 2019, 09h23 - Publicado em 5 jun 2019, 08h57

Quando tinha três anos, Yang Jianli viu seu pai, líder do Partido Comunista Chinês (PCC) na província de Shangdong, chegar em casa quase desfalecido, depois de ter sido espancado por seguidores de Mao Tsé-Tung. Apesar de ser muito pequeno, a cena nunca mais lhe saiu da cabeça.

Da juventude, ele ainda se recorda de ir visitar as lavouras com o pai e testemunhar, por algumas vezes, inúmeros chineses em trabalho forçado em condições precaríssimas, sem comida ou água – o oposto do que aprendia na escola e em casa sobre como viviam os camponeses. Inconformado, ele confrontou o pai sobre a realidade que vira, mas foi chamado prontamente de “contrarrevolucionário” – termo usado pelos comunistas que se arriscavam contrariar as ordens do governo Mao.

Hoje, aos 55 anos, Jianli é fundador e presidente das Iniciativas de Poder do Cidadão para a China (CPIFC, na sigla em inglês), organização sediada em Washington D.C., que é referência mundial quando o assunto é direitos humanos na China.

O sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen Square) deixou seu país após os horrores cometidos pelo governo chinês e embarcou para os Estados Unidos, para cursar pós-graduação em Matemática na Universidade de Berkeley, na Califórnia.

Em 2002, já como um ativista de direitos humanos e com PhD em Economia pela Universidade de Harvard, ele retornou a Pequim, com o passaporte de um amigo e, ao tentar embarcar em um voo doméstico, foi detido e condenado por acusações de espionagem a cinco anos de prisão, tempo que ficaria sem ver mulher e filhos pequenos. Na prisão, foi torturado física e psicologicamente.

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Graças à forte pressão de líderes e ativistas do mundo inteiro, Jianli foi libertado em abril de 2007, com a condição de nunca mais pisar em solo chinês e, sendo assim, retornou aos Estados Unidos. Dali em diante, nunca mais deixou de se manifestar. Em 2008, caminhou de Boston até o Capitólio, em Washington.DC, onde chegou em 4 de junho para o protesto de dezenove anos do massacre. Dois anos depois, foi à Noruega como representante da família do ganhador do Prêmio Nobel da Paz daquele ano, o preso Liu Xiaobo.

Nos trinta anos do massacre, VEJA entrevistou Jianli por telefone em meio aos eventos promovidos por entidades de direitos humanos em Washington D.C. para relembrar a morte dos estudantes chineses. Incansável, ele contou que já se reuniu com os presidentes George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump em busca de soluções para as atrocidades que ainda acontecem em seu país. Seguem trechos da entrevista:

Por que decidiu na juventude fazer parte do Partido Comunista Chinês (PCC)? O presidente do Partido Comunista Chinês na época, Hua Guofeng, (sucessor de Mao Tsé-Tung e que governou a China entre 1976 e 1981, colocando fim à Revolução Cultural), entendia que os jovens chineses intelectuais como eu deveriam entrar no partido para reinventá-lo. Porém, ele mentia para todos nós, dizendo que éramos uma população feliz, apesar de muitos chineses passarem fome durante o regime.  Entrei no partido achando que podíamos mudá-lo, mas entendi depois que foi um erro. O que vi era exatamente o contrário, o partido tentando nos mudar e um abuso constante com os filiados. Além disso, a corrupção se espalhava por toda cúpula comunista. Quase todos os membros oficiais do PCC eram corruptos e as coisas aconteciam à base de propinas. Eles usavam o poder para obter benefícios econômicos. Quando me dei conta de tudo isso, decidi sair do PCC e fui fazer minha pós-graduação na Universidade de Berkeley. Isso foi em 1986, quando tinha 23 anos.

Mas o senhor deixou os Estados Unidos para se unir aos manifestantes da Praça da Paz Celestial. O que o levou a tomar essa decisão? Quando saí da China para ir morar nos Estados Unidos, estava decepcionado com o Partido Comunista Chinês (PCC) e queria me concentrar em estudar para me tornar um professor de matemática. Porém ao eclodir o movimento estudantil, minha esperança se reacendeu e comecei a acreditar que o futuro da China seria brilhante. Então voltei para participar das manifestações e somar-me àqueles que acreditavam no mesmo ideal que eu.

Como era a atmosfera da manifestação? Fiquei durante duas semanas indo todos os dias aos protestos em Pequim. Juntei-me ao movimento dos trabalhadores. Eu estava entre aqueles que tentavam bloquear os veículos militares de entrarem na cidade. Foi incrível o apoio que tivemos da população chinesa. E isso fez com que acreditássemos que os soldados ficariam do nosso lado. Qual não foi a surpresa ao ver que os militares abriram fogo contra o próprio povo chinês. Fomos muito ingênuos. Nunca imaginaríamos que um massacre poderia acontecer naquelas circunstâncias. Sou testemunha e sobrevivente. Sinceramente, acreditei que iríamos alcançar a democracia. Depois de tudo o que aconteceu, resolvi voltar aos Estados Unidos para continuar a trabalhar de lá com direitos humanos.

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E como isso se deu? Entre 1989 e 1990, ajudei a fundar uma organização para fazer advocacy em direitos humanos. A princípio, éramos um grupo de alunos e professores chineses e americanos interessados em promover a democracia na China. As primeiras reuniões aconteceram na Universidade de Berkeley, onde eu estudava. Depois fui para a Universidade de Harvard, onde fiz o meu PhD em Economia. Minha tática é a mesma desde então: a da não violência, acreditando que podemos alcançar a democracia por movimentos pacíficos.

E como foi sua prisão? Em 2002, voltei a Pequim e me prenderam. Estava casado e já tinha os meus dois filhos, que estavam com cinco e oito anos. Fiquei cinco anos detido, sem ver a minha família. Nos primeiros 16 meses, me deixaram numa solitária, sem contato algum. Com o isolamento, minha condição mental se deteriorou. Além disso, foram vários e repetidos interrogatórios entre torturas físicas e psicológicas. Eu compunha poemas para conseguir sobreviver e os memorizava para conseguir ficar bem mentalmente. Precisava ter uma razão para viver.

O que sua organização faz para mudar a percepção sobre os direitos humanos na China? Gradualmente, estamos conseguindo colocar na cabeça das pessoas que o assunto é importante e sério. Temos vários projetos internacionais, que lidam com as diferentes minorias chinesas ameaçadas, dos tibetanos aos uigures (povo turcomeno aprisionado em campos de concentração, segundo denúncia da ONU). Fazemos uma série de conferências pelo mundo falando sobre o assunto. Também me reúno constantemente com líderes congressistas americanos, como Nancy Pelosi (líder democrata no Congresso) e já estive com os presidentes Bush, Obama e Trump, além da ex-secretária de Estado do governo Obama, Hillary Clinton.

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