Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Escândalo em Harvard e IA reacendem debate sobre plágio no meio acadêmico

Vive-­se uma nova era, capítulo inédito da história em que as fronteiras foram esmaecidas. O que é cópia, afinal, na escola, na música, na arte?

Por Ernesto Neves Atualizado em 3 jun 2024, 17h25 - Publicado em 3 mar 2024, 08h00

As ideias originais são fundamentais para qualquer trabalho acadêmico — sem elas, não há validação possível. A exigência é um dos pilares do método científico que, desde o século XII, ampara o surgimento de novas teorias, responsáveis por fazer girar a roda do conhecimento. O constante aprimoramento do sistema de controle do que é inédito, contudo, jamais foi capaz de livrá-lo de um problema que o acompanha desde os primórdios da civilização: o plágio, despudorado e infame. É no que cresceu com o avanço da tecnologia que permitiu replicar textos com um simples “ctrl-C, ctrl-V” e, agora, explode no vácuo do crescimento dos recursos de inteligência artificial (IA). Vive-­se uma nova era, capítulo inédito da história em que as fronteiras foram esmaecidas (o que é cópia, afinal, na escola, na música, na arte?). Ao mesmo tempo, felizmente, há tecnologias afeitas a controlar e expor a malandragem de forma inédita. A maioria dos centros de ensino respeitáveis adotou programas de computador capazes de detectar similaridades, aumentando exponencialmente o número de alunos e professores enredados pela prática. É resposta saudável.

Estudos apontam que cerca de um quinto dos trabalhos acadêmicos no mundo têm algum tipo de fraude autoral, o que inclui citação de pensamentos alheios sem o devido crédito e o chamado autoplágio, quando o autor repete trechos de obras dele próprio publicados anteriormente. O caso mais recente e barulhento ocorreu no início do ano, quando a então reitora da ultraprestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos, foi acusada de copiar dissertações pregressas, sem que qualquer remissão a seus autores fosse feita. Primeira mulher negra a ocupar o cargo, Claudine Gay, 53 anos, teria recorrido ao embuste no período em que foi estudante da graduação e também durante a obtenção do diploma de PhD, em 1997. Os fatos vieram à tona depois que protestos contra a ação de Israel na Faixa de Gaza ocuparam o campus, o que também lhe rendeu imputações de antissemitismo. Sem apoio político ou acadêmico, acabou renunciando.

ATÉ TU? - Claudine Gay: obra de ex-­reitora de Harvard escondeu citações
ATÉ TU? - Claudine Gay: obra de ex-­reitora de Harvard escondeu citações (Kevin Dietsch/Getty Images)

No Brasil, o plágio afeta quatro em cada dez artigos nas universidades, embora tudo indique ser estatística que já caducou. O assunto só passou a ser tratado a sério por aqui em 2011, quando a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes) emitiu uma recomendação para que todas as instituições adotassem políticas de conscientização e proteção à propriedade intelectual. “Esse tipo de contrafação retarda o desenvolvimento da ciência nacional”, diz Marcelo Krokoscz, diretor pedagógico que há 15 anos estuda o tema. “Se você replica coisas que já foram ditas, não está contribuindo para o avanço das ciências.” Nem todos os casos, porém, são fruto da desonestidade. Muitos estudantes simplesmente desconhecem as regras de citação. “Mais do que nunca, quem supervisiona a produção acadêmica precisa garantir que a qualidade seja de fato relevante, diante de regras claras”, afirma Sarah Elaine Eaton, autora do Plágio no Ensino Superior: Enfrentando Tópicos Difíceis na Integridade Acadêmica.

Os primeiros relatos de plágio remontam à Antiguidade. Virgílio (70 a.C.-19 a.C.), o renomado poeta do Império Romano e autor de Eneida, a epopeia que narra as guerras vividas por Eneias, reclamava que seus textos eram copiados sem que ninguém lhe desse crédito. Curiosamente, alguns críticos literários sustentam que ele viria a inspirar Luís de Camões, em Os Lusíadas. Os versos iniciais da obra do escritor português “As armas e os barões assinalados” teriam vindo de “As armas e o varão (herói) eu canto”, retirados de Eneida. Definições mais claras do que é cópia e o que é mera referência só surgiriam no início do século XX, quando instituições dos Estados Unidos e da Europa criaram normas claras sobre como citar conceitos já estabelecidos. E, então, a IA bagunçou o roteiro, ao misturar alhos e bugalhos numa sopa razoavelmente bem-feita — mas que esconde a farsa.

Continua após a publicidade

Programas como o ChatGPT criam novos conteúdos a partir de informações que foram produzidas por fontes humanas. Dezessete escritores renomados decidiram processar a OpenAI, dona da tecnologia, alegando roubos sistemáticos de suas obras para treinar a ferramenta. Entre os denunciantes estão alguns dos maiores campeões de venda do mercado editorial, como George R.R. Martin, autor de Game of Thrones, e John Grisham, que escreveu best-sellers adaptados para o cinema, como A Firma. A esperteza dos estudantes em recorrer ao cérebro eletrônico para realizar as lições de casa também está na mira da Justiça. No Reino Unido, 400 alunos de instituições renomadas, como a Universidade de Glasgow, estão sob investigação por usar o ChatGPT para concluir seus textos. Se condenados, podem acabar expulsos. “Antes, era comum ir à biblioteca para pesquisar um assunto, o que envolvia horas de dedicação”, diz o antropólogo Bernardo Conde, da PUC-Rio. “Hoje, prefere-se copiar para economizar tempo.” O atalho é cada vez mais tentador, mas arriscado e desonesto.

Publicado em VEJA de 1º de março de 2024, edição nº 2882

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.