Em novo golpe, governo Trump planeja cortar todos os contratos federais com Harvard, diz jornal
Carta enviada a agências alega que universidade pratica discriminação, usa critérios raciais em processos de admissão e acoberta casos de antissemitismo

O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, planeja cancelar todos os contratos federais restantes, estimados em US$ 100 milhões, com a Universidade Harvard, mostrou uma carta obtida pelo The New York Times nesta terça-feira, 27. O texto foi assinado por Josh Gruenbaum, comissário do serviço de aquisição federal da Administração de Serviços Gerais (GSA, na sigla em inglês), e também orienta que agências a “encontrarem fornecedores alternativos” a Harvard no futuro.
O documento alega que a universidade pratica discriminação, desobedece a ordem da Suprema Corte ao usar critérios raciais em processos de admissão e acoberta casos de antissemitismo. A carta cita os dados apresentados ao mais alto tribunal dos Estados Unidos no âmbito do caso Students for Fair Admissions v. Harvard: “Para os candidatos no decil acadêmico superior, as taxas de admissão variaram significativamente por raça. Nesse decil, as taxas de admissão foram: 56% para afro-americanos; 31% para hispânicos; 15% para brancos; 13% para asiáticos”.
“A Suprema Corte, em sua decisão sobre o caso, repreendeu a política e prática de longa data de Harvard de discriminar com base na raça. Harvard não demonstrou nenhuma indicação de reformar seu processo de admissão – pelo contrário, Harvard agora é obrigada a oferecer um curso de matemática de recuperação, que tem sido descrito como ‘matemática do ensino fundamental’, para os calouros. Esses são os resultados diretos do emprego de fatores discriminatórios, em vez de mérito, nas decisões de admissão”, acusou o texto divulgado pelo NYT.
A carta instrui as agências federais a retornarem com uma lista de cancelamentos de contratos até 6 de junho. Qualquer um que seja considerado crítico não será cancelado de imediato, apenas transferido para outros fornecedores. Ao todo, contratos com nove agências serão afetados, disse um funcionário do governo, sob condição de anonimato, ao jornal americano.
Na mira, está um contrato de US$ 49.858 do Instituto Nacional de Saúde para investigar os efeitos do consumo de café e um de US$ 25.800 do Departamento de Segurança Interna para treinamento de executivos seniores. Alguns dos vínculos com Harvard já podem ter sido objeto de ordens de “paralisação do trabalho”, de acordo com o funcionário.
“Diante desse padrão profundamente preocupante, cada agência deve considerar seus contratos com a Universidade de Harvard e determinar se Harvard e seus serviços promovem com eficiência as prioridades da agência”, ordena o documento.
“Recomendamos que sua agência rescinda, por conveniência, todos os contratos que determinar que não atenderam aos seus padrões e transfira para um novo fornecedor aqueles contratos que poderiam ser melhor atendidos por uma contraparte alternativa. No futuro, também incentivamos sua agência a buscar fornecedores alternativos para serviços futuros nos casos em que você tenha considerado Harvard anteriormente”, acrescenta.
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Queda de braço
O novo passo para o fim do relacionamento de longa data da Presidência dos EUA com Harvard ocorre poucos dias após a juíza federal Allison Burroughs suspender temporariamente a decisão da administração Trump de impedir que a universidade matricule estudantes internacionais. A movimentação judicial teve cabo horas após a instituição entrar com um processo contra o governo Trump, alegando que a proibição é uma “violação flagrante” da Constituição dos Estados Unidos e de outras leis federais.
Burroughs também analisa uma ação separada de Harvard que contesta o congelamento de US$ 2,65 bilhões em financiamento pela Casa Branca. Mais cedo, Harvard havia apresentado cuma ação judicial no tribunal federal de Boston. No documento, a universidade destaca que a suspensão da certificação Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio, anunciada pelo Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) na véspera, tem um “efeito imediato e devastador”, já que mais de 27% dos seus alunos vêm do exterior.
“Com um golpe de caneta, o governo tentou apagar um quarto do corpo estudantil de Harvard, estudantes internacionais que contribuem significativamente para a Universidade e sua missão”, disse a instituição. “É o mais recente ato do governo em clara retaliação ao exercício dos direitos da Primeira Emenda por Harvard, ao rejeitar as exigências do governo para controlar a governança, o currículo e a ‘ideologia’ de seu corpo docente e alunos.”
Trata-se do mais recente golpe do republicano contra a instituição, resultado da escalada de tensões entre os dois lados depois de Harvard se recusar a cumprir com uma controversa lista de demandas da Casa Branca. Segundo a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, a universidade teve “oportunidades de fazer a coisa certa”, mas não o fez.
“Eles perderam a certificação do Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio por não cumprirem a lei. Que isso sirva de alerta para todas as universidades e instituições acadêmicas do país”, acrescentou ela em comunicado.
Em abril, o DHS exigiu que Harvard fornecesse dados sobre criminalidade e a má conduta de estudantes estrangeiros. No entanto, a instituição “recusou-se descaradamente a fornecer as informações solicitadas e ignorou um pedido de acompanhamento do Gabinete do Conselho Geral do Departamento”, de acordo com a declaração.
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Trump x Harvard
Em abril, Harvard anunciou que não cumpriria uma lista de exigências de Trump. Segundo a instituição, as mudanças instadas pelo governo levariam a demandas “sem precedentes”. Uma semana antes, a Casa Branca havia demandado a redução do poder de alunos e professores sobre assuntos internos; a denúncia de alunos estrangeiros que violassem códigos de conduta às autoridades federais e a contratação de funcionários externos para uma “diversidade de pontos de vista”.
“Nenhum governo — independentemente do partido no poder — deve ditar o que as universidades privadas podem ensinar, quem elas podem admitir e contratar, e quais áreas de estudo e pesquisa elas podem seguir”, disse o presidente de Harvard, Alan Garber.
A equipe jurídica de Harvard respondeu à carta de exigências que “não está preparada para concordar com demandas que vão além da autoridade legal desta ou de qualquer administração”. Em março, o governo Trump informou que estava analisando cerca de US$ 256 milhões (por volta de R$ 1,4 bilhões) em contratos federais e outros US$ 8,7 bilhões (mais de R$ 50 bilhões) em “compromissos de doações plurianuais” com a universidade, alegando que não fez o suficiente para combater casos de antissemitismo.
O líder americano não se ateve a ameaças e congelou 2,2 bilhões de dólares em bolsas e 60 milhões de dólares em valores de contratos após a negativa da universidade em atender às exigências. Harvard, por sua vez, entrou com uma ação judicial contra o governo Trump, acusando-o de tentar assumir o controle das decisões acadêmicas da instituição.
A ação busca, em especial, impedir o congelamento de US$ 2,2 bilhões destinados a bolsas acadêmicas, parte fundamental do financiamento da universidade. A instituição argumenta que as medidas do governo representam uma interferência indevida na autonomia universitária e colocam em risco a liberdade acadêmica.