Cristina Kirchner é condenada a 6 anos de prisão por corrupção
Decisão tomada por painel de três juízes federais diz respeito às acusações de direção de 'associação ilícita' que comandou esquema de propinas
A ex-presidente e atual vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi condenada nesta terça-feira, 6, a seis anos de prisão por fraudes contra a administração pública, em uma ação conhecida como “Causa Vialidad”. Além da pena, a política também perde de forma perpétua a capacidade de exercer cargos públicos.
Embora tenha sido inocentada do delito de associação criminosa, Kirchner é acusada de direcionar centenas de milhões de dólares em licitações, financiadas pelos contribuintes, para um sócio e amigo de sua família construir estradas na Patagônia, na ponta da América do Sul. Os projetos muitas vezes ficaram inacabados ou foram cancelados.
Como provas, o Ministério Público afirmou que o patrimônio do empresário Lázaro Báez, envolvido no esquema, cresceu 12.000% entre 2004 e 2015 e de sua empresa cresceu 46.000%. Durante as três Presidências dos Kirchner, duas de Cristina e uma de Néstor, Báez teve como cliente o Estado e fechou cerca de vinte acordos comerciais particulares com a família Kirchner.
Apesar da condenação menor do que o pedido por promotores federais, que solicitaram uma sentença de 12 anos de prisão, Kirchner não irá para a prisão nesta terça-feira. Ela ainda tem várias vias de recurso disponíveis, em um processo judicial que só terminará quando chegar à Corte Suprema de Justiça, e, como membro do Congresso, goza de imunidade contra prisão e foro privilegiado. Mesmo sem recurso, ela provavelmente não cumpriria pena, já que a Argentina permite que pessoas com mais de 70 anos fiquem em prisão domiciliar. Kirchner tem 69 anos.
Além da vice-presidente, também foram condenados Lázaro Báez (6 anos), José López (6 anos), Nelson Pierotti (6 anos), Mauricio Collareda (4 anos), Juan Carlos Villafañe (5 anos), Raúl Daruich (3 anos e 6 meses), Raúl Pavesi (4 anos e 6 meses), José Raúl Santibáñez (4 anos). Foram absolvidos Julio de Vido, Abel Fatala, Héctor Garro e Carlos Santiago Kirchner.
Em discurso após a leitura do veredicto, Cristina afirmou que “há três anos avisamos que a condenação já estava escrita” e que “está claro que a ideia era me condenar”, apontando que um dos juízes “não atuou sozinho”.
“Não é uma condenação por leis administrativas e da Constituição Nacional (…) É um estado paralelo e uma máfia, uma máfia judicial”, disse.
Antes mesmo da decisão, os partidários de Kirchner já sugeriram que protestariam se ela fosse condenada. “Quando eles lerem a condenação de Cristina, milhares de nós temos que ir às ruas em todo o país para paralisá-lo institucionalmente”, disse Luis D’Elia, chefe de uma organização que representa os desempregados, em entrevista à rádio.
Segundo Alicia, irmã do ex-presidente Néstor Kirchner e ex-ministra do Desenvolvimento Social tanto na presidência dele quanto na da cunhada, as acusações são parte de “uma manobra para deixar a vice-presidente fora da corrida eleitoral”, assim como teriam feito com o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Cristina, por sua vez, argumenta que o sistema judiciário argentino é corrupto e tendencioso, sugerindo uma suposta perseguição política.
“Nada do que os promotores disseram foi provado. Ao contrário, muito do que disseram na verdade foi o oposto do que ocorreu”, afirmou Cristina em agosto durante uma transmissão, na qual também fez acusações ao braço direito do ex-presidente Mauricio Macri, Nicolás Caputo, mostrando mensagens que provariam uma atuação dele para livrar o ex-mandatário de acusações de corrupção em seu governo.
Na fase final do julgamento, durante os nove dias de leitura de acusações, Kirchner tentou tirar de jogo o promotor Diego Luciani, assim como um dos três juízes do tribunal, Rodríguez Giménez Uriburu, citando uma foto divulgada na imprensa que mostra os dois como participantes costumeiros de campeonatos de futebol que o ex-presidente Mauricio Macri, seu rival político, organiza em sua casa de veraneio.
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A vice-presidente já enfrentou diversas outras batalhas judiciais e saiu vitoriosa em algumas delas.
No ano passado, um tribunal rejeitou as acusações contra ela por acusações de que ela conspirou para encobrir o suposto papel do Irã no atentado de 1994 contra um centro comunitário judaico em Buenos Aires, que matou 85 pessoas. As acusações contra Kirchner foram feitas pela primeira vez em 2015 por um promotor, Alberto Nisman, que foi encontrado morto com um tiro em seu apartamento dias depois.
Sua morte nunca foi resolvida, e o assunto tem sido uma fonte de especulação frenética e lutas políticas internas desde então.
Um caso separado que a acusava de fraudar o governo por meio do mercado futuro de dólar foi arquivado no ano passado.
O caso
O esquema de propinas que Kirchner teria supervisionado ocorreu na província de Santa Cruz durante os 12 anos em que os Kirchner estiveram na presidência: seu falecido marido, Néstor Kirchner, serviu de 2003 a 2007, e ela de 2007 a 2015.
Santa Cruz sempre foi seu reduto político: Néstor Kirchner nasceu na capital, Rio Gallegos, e foi governador da província entre 1991 e 2003. Sua irmã, Alicia Kirchner, é o governadora hoje.
Doze outras pessoas também são acusadas no caso de corrupção, incluindo Lázaro Báez, o amigo de Cristina que recebeu os contratos de obras rodoviárias, e dois ex-ministros do governo Kirchnerista que foram condenados em outros casos de corrupção.
Báez está cumprindo uma sentença de 12 anos por lavagem de dinheiro em um caso separado. Um dos ministros, José López, ex-secretário de obras públicas, foi flagrado em vídeo tentando esconder mochilas com US$ 9 milhões em dinheiro (quase R$ 50 milhõs), relógios Rolex e um rifle semiautomático em um convento em 2016, em outro caso não relacionado.
O foco do julgamento da vice-presidente são 51 contratos de obras rodoviárias que foram concedidos a empresas ligadas a Báez, que deixou de ser um funcionário do banco em Santa Cruz para formar uma empresa de construção antes dela se tornar presidente em 2003. A promotoria disse que, de 2003 a 2015, o suposto esquema roubou do Estado argentino mais de 5 bilhões de pesos (mais de R$ 150 milhões).
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Os contratos muitas vezes eram concedidos a preços inflacionados, ultrapassavam o orçamento ou recebiam outras considerações especiais, de acordo com a promotoria. Quase metade dos projetos rodoviários nunca foram concluídos.
“Foram atos sistemáticos de corrupção promovidos e mantidos pelos mais altos líderes políticos do país”, disse Diego Luciani, o promotor principal, durante seu discurso de encerramento no início deste ano.
As provas apresentadas durante o julgamento incluíam mensagens de WhatsApp entre o López, o ex-secretário de obras públicas, Báez e o presidente de uma de suas construtoras. A promotoria disse que as mensagens revelaram um plano para ocultar evidências nos últimos dias do governo Kirchner em 2015, entregando pagamentos finais de contratos a Báez, demitindo seus funcionários e abandonando projetos de obras rodoviárias.
Algumas mensagens incluem referências a “La Señora” que teve que “tomar decisões”. A promotoria argumentou que “La Señora” era uma referência a Kirchner, embora ela nunca tenha sido mencionada pelo nome.
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