Conversa com o inimigo: o que está em jogo nas reuniões entre EUA e Irã
Países se sentam à mesa de negociação na busca de um acordo em que o governo Trump espera conter as ambições nucleares dos aiatolás

Um dos vários papéis para os quais Donald Trump se autodesignou, em campanha e no discurso de posse, foi o de “grande pacificador” — com ele, as guerras do mundo acabariam em dois tempos. As idas e vindas do processo para encerrar os conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza vêm demonstrando que a missão é espinhosa, mas o “grande negociador”, outro título da sua vasta coleção, não desanima. No início do mês, em plena visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a Washington, Trump pegou todo mundo de surpresa ao anunciar a retomada do diálogo com o Irã, inimigo declarado de ambos, com o objetivo de podar as ambições nucleares do regime dos aiatolás. “Quero que o Irã seja um país maravilhoso, grandioso e feliz. Mas ele não pode ter arma nuclear”, afirmou depois, emendando com a habitual bravata: é “totalmente possível” uma ação militar caso as conversas sejam infrutíferas.
No sábado 12, em Mascate, capital de Omã, a primeira rodada de negociações instalou o enviado especial de Washington, Steve Witkoff, e o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, em salas separadas, conversando por meio de diplomatas do país anfitrião, que atuaram como intermediários. Ao final de duas horas e meia, o colóquio foi qualificado por ambos de breve, mas respeitoso, abrindo espaço para uma segunda rodada, prevista para acontecer em Roma nos próximos dias. É um passo e tanto para dois países em aberta hostilidade, com breves intervalos de diálogo, desde que, em 1979, os aiatolás derrubaram o regime pró-Estados Unidos do xá Reza Pahlavi e mantiveram 53 americanos reféns na embaixada em Teerã por um ano e meio.

A aproximação acontece em um momento delicado para o Irã, que segue sendo a maior potência militar do Oriente Médio depois de Israel, mas sofreu perdas calamitosas neste último ano e meio com a aniquilação das lideranças e o encolhimento do poder de fogo do Hamas e do Hezbollah, grupos sob seu guarda-chuva, e a troca de guarda na Síria, que lhe servia de depósito e rota de passagem de combatentes e armamentos. “Visto como uma potência regional, o Irã perdeu força nos últimos anos. Trump aproveita o momento de fragilidade para forçar um acordo”, diz Gregory Brew, analista de risco político da consultoria Eurasia.
Ao iniciar negociação agora, Trump segue trilha oposta à adotada em seu primeiro mandato. Em 2018, ele retirou os Estados Unidos do acordo nuclear multinacional assinado três anos antes por Barack Obama, com adesão de Rússia, China, União Europeia e Reino Unido, que restringia e monitorava de perto o programa nuclear iraniano em troca do alívio de sanções econômicas. De lá para cá, além dos dissabores no plano militar, o país vem enfrentando protestos populares contra o rigor dos religiosos, moeda em queda livre e escalada no custo de vida.

Segundo fontes diplomáticas, o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, resistia à ideia de retomar o diálogo, mas figuras de seu círculo lançaram uma ofensiva para convencê-lo a mudar de postura, argumentando que a reabertura das negociações é vital para a sobrevivência do regime. Apesar do colapso econômico, o Irã acelerou o avanço de seu programa nuclear, instalando milhares de centrífugas avançadas para enriquecer urânio. Pelo pacto original, os iranianos estavam autorizados a manter até 300 quilos de urânio enriquecido a no máximo 3,67% de pureza, limite adequado para fins civis, como geração de energia e pesquisa, mas muito abaixo dos 90% necessários para a fabricação de armas nucleares.
Em março, a Agência Internacional de Energia Atômica divulgou um relatório alarmante, segundo o qual o Irã já acumula cerca de 275 quilos de urânio enriquecido a 60%. Esse material poderia ser convertido em grau militar em apenas uma semana e seria suficiente para produzir até meia dúzia de ogivas nucleares — embora a construção de uma bomba funcional, a toque de caixa, deva levar ainda pelo menos um ano. Mais do que a bomba, porém, os iranianos parecem querer se preservar de outras rachaduras em seu poderio, se possível com a suspensão de parte das sanções que estrangulam a economia. “Eles mostram pressa em estabelecer um arcabouço viável que evite uma ação militar americana”, diz Ryan Bohl, analista de Oriente Médio da agência de risco RANE Network. Na mesa de negociação atual está a chance de impedir que o Oriente Médio pegue mais fogo ainda.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940