Condenação de Trump faz campanha eleitoral nos EUA pegar fogo
Ex-presidente reage com fúria, enquanto Biden anuncia medidas para atrair eleitores. A votação de novembro será mercurial como nunca
Aconteceu: Donald Trump é agora oficialmente o primeiro ex-presidente condenado em um processo criminal na história dos Estados Unidos. A ameaça que pairava sobre sua cabeça virou realidade na quinta-feira, 30 de maio, em uma cena que causou impacto — após seis semanas de deliberações em um tribunal em Manhattan, o presidente do júri proferiu solenemente a palavra “culpado” para cada uma das 34 acusações relacionadas à falsificação de registros contábeis para disfarçar a compra do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels, com quem teria passado uma noite, durante a campanha de 2016. E o veredito já começou a ser usado como munição na campanha pela reeleição de Joe Biden, o democrata acuado pela idade (81 anos) e pela direita trumpista que, poucos dias depois, endureceu sua posição em dois temas que lhe tiram pontos nas pesquisas: a guerra em Gaza e a imigração na fronteira com o México.
Em contraponto à movimentação democrata, republicanos de todas as alas cerraram fileiras em apoio a Trump e acompanham com sangue nos olhos o recém-iniciado julgamento, em Delaware, de outro Biden — o primeiro-filho Hunter, enredado na compra ilegal de uma arma em 2018. Focados na eleição em novembro e, antes dela, no primeiro debate entre Biden e Trump, no dia 27 de junho, os dois lados do ringue, com suas ações e reações nos últimos dias, declararam aberta a temporada do vale-tudo.
Veredito anunciado, Trump convocou uma coletiva de imprensa no saguão dourado da Trump Tower, na Quinta Avenida, onde, durante 33 minutos, repetiu as alegações de que é vítima de uma caça às bruxas armada por “Biden e seu pessoal” e desancou o promotor, Alvin Bragg, e o juiz, Juan Merchan (um “demônio”). Mais tarde, em sua rede social, pediu à Suprema Corte que interfira para mudar a data marcada para a sentença, 11 de julho — quatro dias antes da convenção nacional que vai formalizar sua candidatura. O ex-presidente pode pegar pena de prisão de até quatro anos ou liberdade condicional, acrescida ou não de multa. É certo que vai apelar, o que jogará a decisão final para depois da eleição. Detalhe curioso: a lei da Flórida, onde ele mora, só permite que votem condenados que tenham cumprido toda a pena, o que talvez o impeça de ir às urnas.
Trump responde a outros três processos, mas nenhum deve ir a júri antes da votação. De qualquer forma, no fiel bonde trumpista uma condenação até ajuda, como provam os 53 milhões de dólares que seu comitê arrecadou em doações nas horas seguintes ao julgamento, enquanto apoiadores inundavam a internet de mensagens furiosas. Aproveitando o timing para tentar convencer os mais jovens da injustiça contra sua pessoa, Trump aderiu ao TikTok, rede chinesa que já quis banir. Em quatro dias amealhou 6 milhões de seguidores.
Uma parcela do eleitorado sempre afirmou que não votaria em Trump caso ele fosse condenado por algum crime, mas pesquisas logo após a decisão mostraram pouca variação na diferença de dois a três pontos entre ele e Biden nas intenções de voto — em parte, segundo analistas, pelo fraco interesse despertado por um processo em torno de infrações quase irrelevantes. No reduzido contingente que deve definir esta eleição — pessoas, sobretudo jovens, que votaram em Biden para não eleger Trump e hoje desgostam de ambos —, cada voto é essencial. “A eleição deve ser decidida por margem estreitíssima”, diz Lauren Mattioli, professora de ciências políticas da Universidade de Boston.
Ciente disso, Biden aproveitou o desfecho do julgamento para iniciar sua nova ofensiva eleitoral. Em entrevista, ainda que tentando uma tangente, disse acreditar que Benjamin Netanyahu está prolongando a guerra na Faixa de Gaza para sobreviver no poder, colocando mais distância do que nunca entre ele e o primeiro-ministro israelense — um agrado aos universitários que apoiam em peso a causa palestina. Em outra virada, esta sendo cultivada há já algum tempo, abandonou o discurso de tratamento humanitário das levas de imigrantes que não param de chegar, reativou uma ordem da Casa Branca trumpista e, por decreto, ordenou o fechamento da fronteira com o México sempre que o volume ultrapassar 2 500 pessoas por dia. Como isso já acontece, a ordem tem efeito imediato, embora deva ser contestada na Justiça. “Biden tenta assim atrair indecisos de perfil mais conservador”, diz Stephen Yale-Loehr, professor de direito da Universidade Cornell. Não só eles, aliás: pesquisas revelam que 55% dos americanos acham que o grande número de ilegais é uma “ameaça crítica” para o país.
Os dois lados, a partir de agora, vão agarrar e explorar cada milímetro de vantagem na opinião pública, e o mais imediato, neste momento, está na esfera do Judiciário. Seja qual for a decisão do juiz Merchan, Trump sentirá o baque da sentença prevista para julho. Biden, por sua vez, terá de cruzar o lamaçal de sexo, drogas e negócios escusos que rodeia Hunter, seu filho-problema (hoje supostamente reabilitado), em dois processos: o de agora, por mentir ao comprar uma arma que ficou em seu poder por onze dias, e outro mais sério em setembro, quando responderá por 1,4 milhão de dólares em impostos devidos em transações passadas. Em meio à profusão de exageros e inverdades com que Trump pontilhou sua entrevista pós-julgamento, uma frase ecoou a dura realidade: “O verdadeiro veredito será dado pelo povo no dia 5 de novembro”. Até lá, vale tudo.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896