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Com Maduro na mira, bolivarianismo caminha para fim melancólico na região

Em 2010, encontro de líderes da Unasul na Argentina reunia Lula, Kirchner, Mujica, Chávez, Evo e Correa e estampava o domínio esquerdista na América do Sul

Por José Benedito da Silva, André Siqueira Atualizado em 4 jun 2024, 16h22 - Publicado em 1 Maio 2019, 15h21

No dia 4 de maio de 2010, em Los Cardales, na Argentina (foto abaixo), um encontro de cúpula da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) reuniu a maioria dos presidentes do subcontinente que chegaram ao poder na onda de esquerda que varreu a região.

A onda popularizou a expressão bolivarianismo, uma referência a Simón Bolívar (1783-1830), um dos principais lutadores pela independência da América espanhola, popularizada pelo venezuelano Hugo Chávez, que abriu a série de vitórias de esquerda na região ao chegar ao poder em 1999.

O bolivarianismo é uma ideologia política baseada principalmente no discurso anti-imperialista, na busca da união dos países sul-americanos e de um programa de fundo marxista que buscava o que se chamava de “socialismo do século XXI”.

A reunião em Los Cardales era para dar posse ao primeiro secretário-geral da Unasul, o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, ele também um dos pioneiros no movimento de esquerda que tomou a região entre o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000.

Dos dez maiores países da América do Sul, apenas a Colômbia, com Álvaro Uribe, e o Chile, com Sebástian Piñera (que havia acabado de suceder à também esquerdista Michelle Bachelet), eram dirigidos por um presidente de outro espectro político – ambos eram considerados neoliberais e alinhados aos interesses dos Estados Unidos na região.

Na foto abaixo, estão o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o paraguaio Fernando Lugo, o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa, a argentina Cristina Kirchner (que sucedeu o marido, Néstor) e o uruguaio José Mujica.

Não aparece na foto, mas também estava no encontro o peruano Alan García, que era presidente de honra da Internacional Socialista e havia chegado ao poder em 2006 pelo partido Aprista, de centro-esquerda – alvejado por acusações de corrupção, em esquema envolvendo a brasileira Odebrecht, ele se matou no dia 17 de abril deste ano ao receber um mandado de prisão.

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A situação política da América do Sul, no entanto, mudou radicalmente nos últimos anos, tanto que, em abril deste ano, os novos governantes de direita na região (Jair Bolsonaro, entre eles), enterram a Unasul, considerada de viés esquerdista, e a substituíram pela Prosul.

O fato é que, da derrocada petista no Brasil – com a cassação de Dilma Rousseff e a prisão de Lula – à ofensiva liderada atualmente pela oposição na Venezuela ao sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, a esquerda retrocedeu na região.

Hoje, além da Venezuela, apenas a Bolívia – com o longevo Evo Morales, presidente do país desde 2006 – e o Uruguai, com a volta de Tabaré Vázquez ao poder (após cinco anos de José Mujica), ostentam presidentes mais alinhados à esquerda e ao discurso bolivariano. Não à toa, só Uruguai e Bolívia, entre os dez maiores países da região, não reconheceram Juan Guaidó como presidente constitucional da Venezuela.

Mas o que aconteceu com a turma que estava naquela foto? Quantos deles ainda estão vivos politicamente e podem apostar em um eventual retorno ao poder? Veja abaixo a situação de cada um e suas perspectivas:


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Lula

Condenado a oito anos e dez meses no caso do tríplex do Guarujá, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o Brasil entre 2003 e 2010, está preso em Curitiba pela Operação Lava Jato desde 7 de abril de 2018. O petista terminou seu segundo mandato com a aprovação recorde de 83% dos brasileiros, segundo o Ibope, e elegeu Dilma Rousseff, sua ex-ministra, como sucessora. Lula teve sua pretensão de disputar a Presidência em 2018, iniciativa barrada pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de pessoas condenadas em segunda instância. Quando teve sua candidatura cassada, ele liderava todas as pesquisas de intenção de voto.

=> Possibilidade de volta ao poder:

Baixa: Em setembro, ele pode progredir para o regime semiaberto, mas o retorno ao cenário eleitoral depende da difícil hipótese de conseguir anular a sua condenação.


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Fernando Lugo

Eleito presidente em 2008 pela esquerdista Aliança Patriótica para a Mudança, o bispo católico Fernando Lugo encerrou um período de 61 anos de domínio do conservador Partido Colorado no Paraguai. Conduziu um governo tumultuado – pressão da oposição, escândalo envolvendo um filho da época em que era religioso, a descoberta de um câncer etc – até ter seu mandato cassado pelo Senado em 22 de junho de 2012, em um processo cuja tramitação rápida gerou desconfianças no exterior – para muitos, ele foi vítima de um golpe parlamentar. A gota d’água para o impeachment foi sua suposta negligência no chamado massacre de Curuguaty, quando onze camponeses e seis policiais foram mortos em uma ação do Grupo Especial de Operações (GEO) para promover a desocupação do latifúndio de um ex-senador do Partido Colorado.

=> Possibilidade de volta ao poder:

Média: é senador eleito do Paraguai desde 2013 e já presidiu a Casa.


 

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Rafael Correa

Presidente do Equador de 2007 a 2017, Rafael Correa chegou ao poder pelo Alianza País, uma agremiação de esquerda que ele mesmo fundou. Foi uma das principais vozes do bolivarianismo na região, aliado de primeira hora de Hugo Chávez e um dos maiores críticos da interferência americana na região. Teve um governo bastante conturbado, principalmente em 2010, quando foi acossado por uma greve de policiais que varreu as principais cidades do país e o obrigou a se refugiar por dias em um hospital militar. Ao controlar a situação, dissolveu a Assembleia Nacional, o que lhe rendeu acusações de ditador. Mesmo assim, conseguiu eleger seu sucessor, Lenín Moreno, do mesmo partido, com quem rompeu, no entanto, logo depois após uma série de divergências.

=> Possibilidade de volta ao poder:

Média: Apesar de ainda ser popular no país, está asilado na Bélgica após ter sido acusado em seu país de envolvimento no episódio de sequestro do ex-deputado Fernando Balda, em 2012, e de ter sua prisão preventiva decretada pela Justiça. Ele também deixou o Alianza País após as divergências com Moreno.


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Néstor Kirchner

Presidente da Argentina de 2003 a 2007, Néstor Kirchner, que se elegeu com os votos do peronismo, movimento político criado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón e que tem pitadas de concepções de esquerda, mas principalmente um discurso nacionalista e populista direcionado aos mais pobres. A grande briga de seu governo foi com o passado: ao revogar anistias, perdões e leis, ele abriu o caminho para levar aos tribunais vários militares protagonistas da violenta ditadura argentina. Foi acusado de enriquecimento ilícito no caso Skankska, que investigava o recebimento de propina por membros do governo para a construção de gasodutos, e não quis disputar a reeleição. Foi sucedido pela própria mulher, Cristina Fernández de Kirchner. Morreu em outubro de 2010, aos 60 anos, vítima de uma parada cardíaca.


 

 

Cristina Kirchner

Sucessora do marido, Nestor Kirchner, Cristina presidiu a Argentina de 2007 a 2015, em dois mandatos. Foi a primeira mulher eleita diretamente pelo voto para presidir o país. Seu governo foi marcado por grandes oscilações econômicas: do crescimento verificado nos primeiros anos de gestão à derrocada verificada a partir de 2008, com a crise econômica global. Também enfrentou acusações variadas de corrupção e teve uma relação tumultuada com os principais veículos da imprensa argentina. Depois de deixar a Presidência, fundou seu próprio partido, o Unidade Cidadã, uma dissidência peronista, e foi eleita senadora de Buenos Aires em 2017, para fazer oposição ao governo de Mauricio Macri, enfraquecido pela recessão econômica do país.

=> Possibilidade de volta ao poder

Alta. Para as eleições de outubro deste ano, Cristina Kirchner desponta como favorita, segundo as pesquisas, mas terá de se livrar de seus problemas judiciais: em março deste ano, a Corte Suprema do país ratificou a ordem de prisão preventiva dela pelo suposto acobertamento dos autores do atentado contra a entidade judaica Amia, em Buenos Aires, em 1994. Ela responde como ré à Justiça por liderar um esquema de pagamento de propinas por empreiteiras favorecidas em licitações do governo.


Hugo Chávez

Foi a principal inspiração do bolivarianismo na América do Sul, ao chegar ao poder na Venezuela em 1999, encerrando um domínio de quatro décadas dos partidos conservadores. A vitória veio na esteira de um discurso direcionado aos pobres, contra as elites e contra a intervenção americana nas questões da região. Eleito, desencadeou uma forte política de militarização do Estado, estatizações e impulso a programas sociais, que lhe renderam alta popularidade por anos. Suas políticas sociais e de fortalecimento do Estado foram alavancadas pelo dinheiro do petróleo da estatal PDVSA, num momento em que o preço da commoditie estava em alta. Em paralelo, promulgou uma nova Constituição, tomou o controle do sistema judiciário, da Assembleia Nacional e do Conselho Nacional Eleitoral. Como líder político, influenciou toda a onda bolivariana que tomou conta da América do Sul no início do século XXI. Morreu em março de 2013, em decorrência de um câncer na região pélvica e de uma infecção respiratória. Foi substituído pelo vice, Nicolás Maduro, que se elegeu em seguida.


 

José Mujica

José Alberto Mujica Cordano, conhecido como Pepe Mujica, presidiu o Uruguai de março de 2010 a março de 2015. Ex-guerrilheiro do grupo conhecido como Montoneros, foi preso político durante a ditadura militar uruguaia (1973-1985) e chegou ao poder em 2010 eleito pela Frente Ampla, uma coalização de partidos de esquerda e centro-esquerda, a mesma que havia levado Tabaré Vázquez ao poder antes dele (e de novo, após a sua saída). Seu governo foi marcado por apostas na erradicação da miséria, na redução da desigualdade social e na ampliação dos direitos humanos. Foi responsável por viabilizar leis como a descriminalização do aborto (2012), a união civil de homossexuais (2013) e a liberação da maconha (2013). Apesar de ter se tornado uma quase unanimidade na esquerda de seu país e da América do Sul, não quis disputar a reeleição.

=> Possibilidade de volta ao poder

Baixa. Apesar da alta popularidade, renunciou ao mandato de senador em agosto de 2018 (havia tomado posse em 2015) alegando necessidade de renovação dos quadros políticos da Frente Ampla.


Evo Morales

Primeiro indígena (da etnia uru-aimará) a presidir a Bolívia, Evo Morales foi eleito em janeiro de 2006 e é o mais longevo líder do movimento bolivariano ainda no poder. Ex-líder sindical dos cocaleiros (produtores de coca), ele implantou um forte governo de esquerda, com nacionalizações, estatizações e políticas de igualdade social, que lhe renderam alta popularidade. Atualmente em seu terceiro mandato, que durará até 2020, Morales conseguiu autorização do Tribunal Constitucional do país para concorrer ao quarto. Em sua decisão, a Corte alegou que o limite de dois mandatos presidenciais era “uma violação dos direitos humanos”. A oposição denuncia como golpe de Estado a intenção do atual presidente em se reeleger.

=> Possibilidade de seguir no poder

Alta. Embora sua popularidade tenha caído nos últimos anos, ainda lidera as pesquisas de opinião para a eleição que ocorrerá em outubro deste ano. Seu principal adversário deverá ser o ex-presidente Carlos Mesa, que o antecedeu no poder (2003-2005).


Alan García
(Alex Wong/Getty Images)

Alan García

Alan García presidiu o Peru em duas oportunidades, de julho de 1985 a julho de 1990 e de julho de 2006 a julho de 2011. Já foi presidente de honra da Internacional Socialista e um dos principais líderes da Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana) ou Partido Aprista Peruano, organização de centro-esquerda que tinha como principais objetivos combater o imperialismo e a desigualdade social. No dia 17 de abril, García morreu após dar um tiro na própria cabeça. O ex-presidente tentou suicídio após policiais irem à sua casa prendê-lo por um caso de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht – García era acusado de receber financiamento ilegal na campanha eleitoral de 2006, lavagem de dinheiro e tráfico de influência.

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