Cidades italianas pagam para ter novos moradores – inclusive estrangeiros
Com o risco de se tornarem municípios fantasmas, vilarejos tentam atrair gente de fora
Que tal morar numa pequena e bucólica aldeia montanhosa italiana, daquelas de cinema, a meio caminho entre os sonhos de Fellini e a realidade de Rossellini? Nada mau. E o que dizer sobre ganhar algum dinheiro pela onírica oportunidade? Nos últimos meses é o que vem ocorrendo em um punhado de vilarejos da Itália. A Associação Nacional de Municípios decidiu atrair gente de fora com um objetivo: evitar que lugares diminutos, com taxa de natalidade negativa, sumam do mapa. A mais recente estrela dessa onda é a minúscula Santo Stefano di Sessanio, de meros 33 quilômetros quadrados de área, localizada na província de Áquila, a duas horas de carro de Roma.
A prefeitura oferece uma bolsa de 8 000 euros (o equivalente a 53 400 reais) anuais a homens e mulheres com idades entre 18 e 40 anos que topem passar três anos em uma de suas casas de pedras medievais. Há bonificação de 20 000 euros (133 500 reais) para os que abrirem um negócio. São bem-vindos aqueles que tenham passaporte europeu ou até mesmo estrangeiros com permissão de estada a longo prazo no país. Em menos de um mês, 1 500 pessoas já se inscreveram. E a troca demográfica agradece: dos 115 moradores de Santo Stefano di Sessanio, quarenta estão com mais de 65 anos.
A Itália é o país europeu que mais tem sofrido com a migração para os grandes centros urbanos nos últimos anos. De acordo com levantamento do Instituto Nacional de Estatística do país, se esse ritmo de mudança permanecer, muito em breve os vilarejos se tornarão cidades fantasmas, mesmo os vizinhos às capitais. O despovoamento tem transformado algumas porções do interior em áreas semidesérticas. Como todos os caminhos levam a Roma, é para lá prioritariamente que os cidadãos se encaminham, além de Milão e outras metrópoles de forte presença industrial e empregos. Até a década de 50, um a cada dois europeus vivia em cidades. Até 2030, a estimativa é que 80% da população será urbana, e adeus ao campo.
A maioria dos municípios tem corrido com as próprias pernas, desenhando iniciativas próprias para atrair forasteiros. O objetivo não é apenas habitar as casas vazias, mas fazer com que elas sejam mantidas. Ollolai, na ilha da Sardenha, oferece casas pelo valor simbólico de 1 euro. São 200 moradias à disposição, muitas delas abandonadas, em péssimo estado. Por isso, nesse caso, deve-se desembolsar pela restauração — a condição necessária para finalizar o acordo é se comprometer a realizar uma reforma avaliada em aproximadamente 20 000 euros (133 500 reais). Cinquefrondi, na Calábria, com 6 500 habitantes, usa o chamariz de não ter nenhum caso de Covid-19 registrado até hoje. Com as atuais medidas restritivas devido à pandemia, os estrangeiros ainda não podem fincar os pés por lá, mas as candidaturas estão abertas. A Itália agradece — e quem há de recusar a chance de poder viver como num poema de Virgílio?
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712