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Cidade de Jesus, Belém cancela Natal e vive sob o fantasma da fome

Cidade vê turismo cair a zero desde os ataques de 7 de outubro cometidos pelo grupo terrorista Hamas

Por Ernesto Neves, de Belém, Cisjordânia
Atualizado em 29 nov 2023, 07h55 - Publicado em 29 nov 2023, 07h01

Na tradição cristã, Belém, hoje localizada no território Palestino da Cisjordânia, é um local sagrado, onde Jesus Cristo teria nascido dois milênios atrás.

Não à toa, milhares de peregrinos do mundo inteiro visitam a cidade, localizada 10 quilômetros ao sul de Jerusalém, para conhecer a Basílica da Natividade. A igreja foi erguida sobre a gruta onde Jesus teria vindo ao mundo.

Era assim até os atentados de 7 de outubro, dia em que 2.000 terroristas do Hamas invadiram Israel e mataram ao menos 1.200 civis, sequestrando outros 240, no pior atentato da história do país.

No mesmo dia, os israelenses responderam aos ataques invadindo a Faixa de Gaza, outro território também palestino, mas que está localizado a 40 quilômetros da Cisjordânia.

A guerra já dura 50 dias, apesar da trégua momentânea entre israelenses e palestinos.

Mas serviu para escalar as tensões na Cisjordânia como há muito não se via, além de paralisar por completo a industria do turismo.

A reportagem de VEJA percorreu as ruas de Belém no último dia 28 e encontrou a cidade completamente deserta.

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A tensão é latente e toda sexta-feira há atos violentos nas ruas das cidades maiores, como Hebron.

Para piorar, na última semana, a prefeitura cancelou os festejos de Natal, que costumam atrair milhares de visitantes todo fim de ano.

“Ninguém entra na minha loja há 50 dias”, afirmam os comerciantes Victor Batar e o filho Rony, donos de uma loja em frente à Igreja da Natividade. 

“Cinco famílias dependem da venda desta loja. Não sabemos mais o que fazer”, diz Victor.

A loja da família Batar era a única funcionando na via principal da cidade, em pleno dia de semana. A maioria nem sequer abre mais as portas.

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“Aqui, temos uma pequena comunidade de árabes cristãos, que vivem do comércio para os turistas. Estamos espremidos entre os dois lados do conflito (muçulmanos e judeus), e não temos a quem recorrer”, diz George T., dono de uma lanchonete (ele prefere não dar o sobrenome).

O comerciante Victor Batar e o filho, Rony, em Belém, na Cisjordânia
O comerciante Victor Batar e o filho, Rony, em Belém, na Cisjordânia (Ernesto Neves/VEJA)

Basta uma rápida caminhada para perceber que o caldo pode entornar na Cisjordânia a qualquer momento.

Só em novembro, dois atentados em pontos de checagem de Jerusalém mataram uma policial israelense e três terroristas.

Desde os atentados de 7 de outubro, os israelenses mataram 201 palestinos da Cisjordânia, incluindo 52 crianças.

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Isso significa que mais palestinos morreram neste território nas últimas sete semanas do que em qualquer ano desde 2005.

Os palestinos, por sua vez, assassinaram 24 civis israelenses e 4 membros das forças de segurança, o maior número em mais de 15 anos.

O resultado de tamanha tensão é visível no olhar dos moradores e na ausência completa de visitantes: desde o primeiro dia do conflito em Gaza, os turistas desapareceram.

Centro de Belém, na Cisjordânia – economia devastada pela guerra em Gaza
Centro de Belém, na Cisjordânia – economia devastada pela guerra em Gaza (Ernesto Neves/VEJA)

Reponsável pelo transporte dos visitantes que chegam ao centro antigo de Belém, o motorista de táxi Osama A. (ele pede para não dar o sobrenome) afirma que não tem mais como prover alimentação para a mulher e os três filhos depois de 50 dias sem praticamente nenhuma corrida.

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“É a mais grave situação que já enfrentei na vida. Para piorar, meus filhos estão sem aulas desde o começo da guerra. Num dos protestos anti-bombardeios de Gaza, jogaram uma bomba de gás dentro da escola deles”, conta Osama.

“A maioria das pessoas que conheço já não tem mais dinheiro para fazer as compras do mercado”, prossegue.

O motorista Osama Alli: sem ter como alimentar a família
O motorista Osama A. (ele não quis dar o sobrenome): sem ter como comprar alimentos para a família (Ernesto Neves/VEJA)

Osama também se queixa do rígido controle imposto pelos israelenses desde o começo da guerra, já que Tel Aviv entrou em alerta máximo contra novos ataques terroristas.

Belém está cercada por postos de controle com rígida fiscalização. E várias avenidas da cidade têm barricadas que interrompem o trânsito.

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Assim, uma simples ida a Jerusalém, que deveria demorar não mais que 15 minutos, hoje ultrapassa 1 hora. E exige paciência para descobrir quais ruas ainda têm trânsito permitido.

Quem precisa entrar ou sair de Belém passa por dura revista nos postos de controle. Esse é um movimento feito por milhares de palestinos diariamente, já que boa parte da mão de obra local possui permissão de trabalho em Israel.

Palestinos aguardam para passar por checagem em posto de controle da Cisjordânia: após seguidos atentados, guardas nervosos olham os documentos
Palestinos aguardam para passar por checagem em posto de controle da Cisjordânia: após seguidos atentados, guardas nervosos olham os documentos (Ernesto Neves/VEJA)

Durante a guerra, porém, mais de 200.000 palestinos da Cisjordânia tiveram o passe bloqueado, agravando a crise e o ressentimento que se abatem sobre a Cisjordânia.

Assim como Gaza, desde o início dos anos 2000 a Cisjordânia também foi cercada por muralhas erguidas por Israel.

Com mais de 700 quilômetros de extensão, essas estruturas hoje separam por completo os dois territórios.

Israel iniciou a intervenção após uma onda de atentados a bomba em grandes cidades duas décadas atras. Com o muro, o número de ataques praticamente caiu a zero.

Os palestinos, porém, afirmam que o muro interrompeu a circulação de trabalhadores e mercadorias, asfixiando a economia local. A prefeitura de Belém garante que o turismo nunca mais se recuperou.

Belém, na Cisjordânia
Muro cerca Belém, na Cisjordânia: Israel ergueu muralha com mais de 700 quilômetros de extensão (Ernesto Neves/VEJA)

 

 

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