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Carta ao Leitor: O senhor da guerra

Enquanto testa os limites do Ocidente, Putin afeta o humor e a economia globais, acrescentando doses desnecessárias de drama a dias já tão difíceis

Por Redação Atualizado em 4 jun 2024, 12h34 - Publicado em 25 fev 2022, 06h00

Em 2014, quando a Rússia anexou a península da Crimeia, ao sul da Ucrânia, a chanceler alemã Angela Merkel definiu Vladimir Putin como “um líder que usa métodos do século XIX no século XXI”. Em outros termos: recorre a recursos bélicos e nacionalismo em tempo de leis e globalização. Agora, é acusado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, de querer deflagrar “a maior guerra na Europa desde 1945”. Há algum exagero nessa acusação, talvez não se chegue a um conflito dessa dimensão, e mesmo com tiros já disparados sempre haverá algum espaço — mínimo que seja — para a diplomacia. Contudo, convém sempre lembrar que o autocrático líder russo reza pela cartilha da célebre máxima do militar prussiano Carl von Clausewitz (1790-1831): “A guerra é a continuação da política por outros meios”. A Rússia do neoczar vê a nação ucraniana como extensão de sua própria e não admite o ingresso do país vizinho na Otan, a aliança militar da Guerra Fria que se opunha ao Pacto de Varsóvia. Do outro lado, os americanos, como em todo balé geopolítico, se alinham com a Ucrânia para fazer valer sua influência naquela porção do planeta.

O comportamento agressivo de Putin é tudo o que o mundo menos precisava agora, em tempos de pandemia e de extrema polarização ideológica. As guerras começam com estrondo, mas seus efeitos não cessam num piscar de olhos, como um disparo de pólvora — costumam ser duradouros e insidiosos. Um modo de enxergar os danos que provocam, para além das vidas perdidas, claro, é entendê-las do ponto de vista econômico, cujos resultados cruzam oceanos, como peças de dominó derrubadas. Não custa lembrar que, antes mesmo da declaração de fogo, os mercados já reagiram, com investimentos congelados e o aumento do preço de uma série de commodities. Na terça-feira 22, o barril de petróleo chegou a 100 dólares, o maior valor em sete anos. O custo do gás na Europa também teve salto, na ordem de 13%. A explicação é simples: a Rússia supre mais de um terço do gás consumido pelos europeus e boa parte dele passa por gasodutos na Ucrânia. Pode haver outros sobressaltos, como mostra a reportagem a partir da página 40, também como resposta às sanções que algumas nações do Ocidente anunciam impor à Rússia.

Nesse jogo político, é importante levar em conta a teimosia de Putin. Desde a invasão da Crimeia, há oito anos, as sanções fizeram com que os russos perdessem 100 bilhões de dólares, arrocho insuficiente para frear os anseios expansionistas do presidente megalômano. Tudo indica que, uma vez mais, não haverá recuo completo — ainda que as negociações diplomáticas possam trazer algum alívio. A questão, agora, é saber até que ponto Putin manterá a pressão. É o caso de prestar atenção a uma declaração dúbia e irônica dita por ele em 2005, em raciocínio inspirado em Winston Churchill sobre o comunismo: “Aquele que não lamenta o fim da União Soviética não tem coração, mas quem quer restaurá-la não tem cérebro”. Tal afirmação permite entender a ambiguidade do projeto. Em seu íntimo, ele deseja uma volta aos tempos de superpotência. Na prática, sabe que não será tão fácil. Enquanto testa os limites do Ocidente impulsionado pela nostalgia do passado, Putin afeta o humor e a economia globais, acrescentando doses desnecessárias de drama a dias tão difíceis como os de agora, emoldurados pela Covid-19. Uma pena.

Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778

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