Carta ao Leitor: ‘O carcereiro da América’
Reportagem da edição narra a vida como ela é em El Salvador sob regime de exceção, tão admirado quanto questionado

Com pouco mais de 6 milhões de habitantes, El Salvador é a menor nação da chamada América Central continental (seu território possui 21 041 quilômetros quadrados, área equivalente à do estado de Sergipe). Entre o fim dos anos 70 e o começo dos 90, acabou devastado por uma guerra civil, que provocou cerca de 60 000 mortes e deixou uma enorme herança de miséria e problemas sociais. Gangues passaram a controlar bairros inteiros das cidades e a espalhar o terror. No auge da crise, o país chegou a registrar uma das maiores taxas de homicídios do mundo. A partir de 2022, no entanto, ocorreu uma impressionante reviravolta, quando o presidente Nayib Bukele instaurou um regime de exceção que tem como um de seus principais pilares o encarceramento em massa.
Desde então, cerca de 85 500 pessoas foram levadas para trás das grades e a construção de uma megaprisão de segurança máxima, com capacidade para 40 000 detentos, virou uma espécie de cartão-postal de El Salvador. As mudanças produziram resultados impactantes, com destaque para a taxa de homicídios, que despencou de 36 para 1,9 a cada 100 000 habitantes, tornando-se hoje a menor da América Latina (no Brasil, o índice é de 18,2).
Com isso, de capital global da violência, El Salvador tornou-se um modelo que passou a chamar a atenção do mundo, gerando intensos debates sobre a possibilidade de a redução da violência na sociedade ter ocorrido à custa do aumento da violência do Estado. Mortes por tortura nas cadeias, prisões preventivas que podem durar anos e julgamentos sem direito a defesa fazem parte de uma vasta lista de denúncias formuladas por respeitáveis entidades independentes.
Do alto de um índice de aprovação popular que passa dos 90%, Bukele ironiza as críticas. Já se autodenominou “o ditador mais legal do mundo” e “o carcereiro da América”. Ganhou tamanha notoriedade a ponto de ser recebido recentemente na Casa Branca por Donald Trump. No Brasil, políticos de diferentes vertentes, da direita à esquerda, passaram a olhar com atenção esse modelo. Exemplo mais recente disso é o prefeito carioca Eduardo Paes, que escolheu o país como a primeira parada de um roteiro de visitas que pretende fazer no exterior.
Quem pisa em El Salvador não demora a notar que há mesmo algo diferente no ar. “A vigilância constante traz sensação de segurança, mas também de opressão”, conta a repórter de VEJA Amanda Péchy, que esteve por lá no mês passado e testemunhou os dois lados dessa moeda. Ela foi intimidada na rua por um soldado que exigiu checar as fotos de seu celular e, em visitas aos bairros pobres, ouviu de moradores que se sentiam prisioneiros das gangues elogios à política de linha dura extrema. Na reportagem da edição, a jornalista narra a vida como ela é em El Salvador sob esse regime de exceção, tão admirado quanto questionado.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942