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Calma lá com o “outubro vermelho”

Saco de gatos: unificar os protestos mundiais é truque intelectual

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 1 nov 2019, 10h21 - Publicado em 1 nov 2019, 06h00

As aparências enganam, mas só os muito superficiais não ligam para elas. Os protestos que irromperam nas últimas semanas em países muito, muito diferentes preenchem os requisitos para ambas as máximas. Criam a ilusão de que o mundo está passando por levantes populares guiados por causas comuns — falsa, evidentemente. Mas também não é possível ignorar os pontos de contato: a rapidíssima capacidade de mobilização propiciada pelas redes sociais, o efeito contágio, o ódio aos poderes estabelecidos e a facilidade com que esse ódio extravasa qualquer limite razoável, exatamente como acontece nas conversas digitais. As simpatias ideológicas também influenciam a visão dos protestos. Alinhamentos mais à direita arregalam os olhos para as quase inacreditáveis manifestações de Hong Kong contra tudo o que venha de Pequim, e jovens cantam o hino nacional americano. Para não falar na Bolívia, onde a contagem dos votos foi interrompida quando Evo Morales ia para o segundo turno e, retomada 24 horas depois, lhe deu, límpido como uma folha de coca ao fim de um dia de mastigação, o quarto mandato presidencial. A esquerda, claro, só pensa no “outubro vermelho”, o encadeamento de protestos que começou no Peru, passou pelo Equador e agora incendeia o Chile. Este, por motivos autoevidentes, o mais importante: dar por fracassados todos os esforços — e sacrifícios — para tirar o país do lodaçal latino é questão de honra para comprovar a falácia do projeto “neoliberal”. A derrota de Mauricio Macri já estava escrita em todos os muros da Argentina, mas a explosão do Chile é a cereja do bolo de quem ainda usa a antiquada expressão.

“Colocar tudo no balaio dos indignados é reducionismo”

É excesso de coincidências ou coincidência na incitação dos excessos? “A teoria da conspiração sustenta que, na América Latina, Cuba entra com o trabalho de inteligência, o regime de Maduro entra com o dinheiro e a Rússia, com a tecnologia digital que ajuda a semear o caos e promover os protestos”, escreveu Moisés Naím. Como analista arguto, o venezuelano não desce todas as fichas nessa teoria, mas também não a descarta como maluquice. A lógica aceita várias análises porque as manifestações no Chile não são monolíticas. Os black blocs que quebram e incendeiam tudo são diferentes das colegiais de saia curta que sobem nas catracas do metrô e fazem cara de Greta que são diferentes das pessoas que aproveitam a onda para saquear lojas e mercadinhos que são diferentes dos cidadãos que marcharam pacificamente no sábado com uma longa lista de reclamações. Colocar tudo no balaio dos “indignados”, palavra cunhada na Espanha quando ainda não estava espiritualmente incinerada pela renovada explosão da Catalunha, é de um reducionismo atroz. Para não falar no Líbano, onde a “revolução do WhatsApp” — um imposto que agravaria as ligações gratuitas — parece surfar a onda da juventude rebelde e já produziu o maior resultado: a renúncia do primeiro-ministro Saad Hariri. O verdadeiro pano de fundo: cristãos, sunitas e até, bravamente, alguns xiitas revoltaram-se, acima de tudo, contra o domínio do Hezbollah. Um domínio tão absoluto que Hariri, cujo pai foi assassinado pelo Hezbollah em 2005, só estava no governo por ter virado um parça do grupo xiita. Nesse caso, as aparências só enganam quem quer ser enganado.

Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659

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