Brasil avançou na proteção da Amazônia, mas precisa de apoio, diz fundador da Global Citizen
A VEJA, Michael Sheldrick falou sobre G20, queda do desmatamento, aquecimento dos oceanos e segundo mandato de Donald Trump
De frente para um auditório lotado, no Rio de Janeiro, a organização internacional Global Citizen elencou três das suas principais zonas de ação social: acabar com o desmatamento, acelerar uma transição energética justa e apoiar comunidades. Na véspera da abertura da cúpula dos líderes do G20, o evento reuniu no domingo 17 as mais variadas personalidades, desde a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, até a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para debater caminhos para alcançar tão ambiciosas metas.
Como esperado, os planos para o G20 — deste ano, no Rio de Janeiro, e de 2025, em Joanesburgo, na África do Sul — e os preparativos para a COP30, principal conferência das Nações Unidas sobre mudança climática, que será realizada no próximo ano em Belém, no Pará, tomaram dianteira e moldaram as discussões nos painéis do evento Global Citizen Now, realizado no Centro Cultural da FGV Rio.
Em meio a um mundo efervescente, tanto no clima quanto na política, Michael Sheldrick, co-fundador da Global Citizen e diretor de Políticas, Impacto e Relações Governamentais, conversou com VEJA sobre as expectativas para o G20, queda do desmatamento na Floresta Amazônica, aquecimento dos oceanos e uma polêmica nomeação do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para o governo.
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A presidência brasileira no G20 teve amplo foco no combate à fome e à pobreza. Como a Global Citizen pode influenciar os debates?
Antes de tudo, precisamos elogiar a presidência brasileira no G20 porque, de todas as cúpulas do G20 de que me lembro, esta é a primeira em que a presidência diz explicitamente: derrotar a pobreza, combater a fome e enfrentar as mudanças climáticas estão diretamente ligados ao desenvolvimento econômico. Não é possível ter crescimento a longo prazo nem criar empregos sem abordar essas questões. E o Brasil tem sido explícito ao colocar esses temas no centro das discussões.
Do nosso ponto de vista, a campanha que estamos lançando tem três objetivos principais. O primeiro é acabar com o desmatamento, e acreditamos que o setor privado, independentemente das ações dos governos nacionais, precisa agir. É necessário mobilizar mais de 1 bilhão de dólares para a Amazônia nos próximos 12 meses. O segundo, é ampliar o uso de energias renováveis. Em muitas partes do mundo, já estamos vendo a energia solar se tornar competitiva em custos, sendo a forma mais barata de energia. Em outras, é preciso assistência e investimentos públicos.
Por fim, temos a questão de como impactar positivamente as comunidades que enfrentam os impactos climáticos. A boa notícia é que temos este encontro. Há 38 mil organizações ao redor do mundo pedindo aos líderes do G20 que enviem às suas equipes de negociação em Baku uma mensagem clara: “Concordem com uma meta de financiamento robusta que possa sustentar ações como combater o desmatamento, expandir as renováveis e enfrentar os impactos climáticos.”
Mas, além disso, sabemos que a responsabilidade também é nossa, como cidadãos, empresas, governos subnacionais, cidades e estados, de tomar ações. É isso que estamos incentivando. Não podemos depender apenas dos governos nacionais.
Um dado recente Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra uma queda de 30% no desmatamento da Amazônia. Essa notícia, acompanhada de promessas do governo Lula, é um sinal positivo? É suficiente?
Precisamos fazer isso de uma forma que seja vantajosa para todos. Precisamos mostrar aos países que investir em outros países, especialmente em fontes de energia renovável, é do interesse de todos. Isso levará a contas de energia mais baixas, será a fonte de energia mais acessível e proporcionará segurança energética. Acho que esse é o primeiro passo.
O segundo passo é entender que, se não fizermos isso, os impactos das mudanças climáticas serão devastadores. Se olharmos para os Estados Unidos, relatórios mostram que, entre todos os países do G20, os ativos corporativos nos EUA são os mais vulneráveis à crise climática. Basta ver o que acabou de acontecer na Flórida e ao longo da costa leste com esses furacões recordes. Agora, as seguradoras estão se retirando de algumas regiões. Portanto, isso é uma questão urgente.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nomeou um executivo da indústria de petróleo e gás para o cargo de secretário de Energia. Como um segundo mandato de Trump pode afetar resoluções climáticas?
Passei as últimas duas semanas conversando com líderes empresariais da indústria de energia solar sobre como essas forças vão mudar as coisas. Muitos deles dizem que isso não vai mudar em nada porque o mercado já tomou conta e estamos em uma situação diferente de 2016. Tudo isso vai continuar, independentemente do que aconteça, porque o momento está indo em uma única direção. Acho que até mesmo Elon Musk tuitou na semana passada que a energia solar é o futuro. Então, estamos vendo isso, e quando olhamos para um relatório que produzimos no ano passado, ele mostrou que, independentemente de democratas ou republicanos, a maioria dos americanos apoia a energia solar em detrimento dos combustíveis fósseis. Portanto, há uma trajetória clara.
Eu diria que o outro ponto é este: observar os incentivos governamentais e o que pode mudar. Bem, Elon Musk já declarou que se o governo retirar os subsídios para veículos elétricos, também deve retirar os subsídios para petróleo e gás. Acho que, entre 2016 e 2020, vimos empresas e estados assumirem um papel importante, e acredito que veremos países pensando: “O que realmente está no meu interesse?”. E, se você adotar uma abordagem fria, calculada e racional para seus próprios interesses, chegará à energia solar e ao enfrentamento dessas questões.