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Barreira quebrada: a 1ª mulher trans no alto escalão do governo americano

Nomeada por Biden, a pediatra Rachel Levine virou ícone na luta pelo direito à diferença

Por Duda Gomes, Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h12 - Publicado em 4 dez 2021, 08h00
DANDO O EXEMPLO - Levine: no comando do esforço para convencer os americanos a tomar vacina contra a Covid-19 -
DANDO O EXEMPLO – Levine: no comando do esforço para convencer os americanos a tomar vacina contra a Covid-19 – (Biden Transition/Cnp/.)

A americana Rachel Levine fez história mais de uma vez ao longo deste ano. Em janeiro, Levine, pediatra transexual de 64 anos, foi nomeada subsecretária de Saúde e Serviços Sociais dos Estados Unidos. Enfrentou uma sabatina no Senado especialmente dura e se tornou a primeira transgênero a ocupar um cargo de alto escalão no governo. Em outubro, mais um marco: promovida a almirante, passou a ser a primeira oficial quatro estrelas trans do país. “Foi uma escolha histórica. A doutora Levine tem a capacidade de liderança e o conhecimento necessários para ajudar a população a atravessar esta pandemia”, elogiou o presidente Joe Biden ao anunciar a nomeação. “Biden está totalmente comprometido com as políticas de inclusão e fico feliz em ajudá-lo a quebrar as barreiras no caminho para a igualdade”, devolveu ela, em entrevista a VEJA.

Antes de chegar ao posto atual, Levine ganhou visibilidade ao assumir a chefia da Secretaria da Saúde do estado da Pensilvânia. Conta que no período em que desempenhou essa função, entre 2017 e 2020, enfrentou as mais dolorosas situações de preconceito e abuso de sua vida — sobretudo quando teve de instituir quarentenas e obrigar o uso de máscaras para controlar a pandemia. “Para desviar minha atenção, indivíduos que não concordavam com as medidas atacaram ferozmente minha identidade de gênero”, lembra. Em uma ocasião teve de interromper diversas vezes uma entrevista porque o apresentador só se referia a ela como “senhor”. Um vereador foi inclusive obrigado a renunciar depois de chamá-la de “homem fantasiado de mulher”. O desrespeito se repetiu na sessão de confirmação no Senado, quando o republicano Rand Paul lhe dirigiu uma série de perguntas sobre “mutilação genital”. Mais recentemente, o deputado republicano Jim Banks teve sua conta no Twitter suspensa ao publicar que “o título de primeira oficial quatro estrelas mulher foi dado a um homem”. “O mais triste é que, quando alguém se refere a mim de forma pejorativa, está ofendendo toda a comunidade LGBTQ+”, lamenta ela.

Formada em Harvard, Levine foi convocada a Washington com a missão principal de convencer uma tão ampla quanto relutante parcela dos americanos a se vacinar contra a Covid-19, tanto na posição de número 2 do Departamento de Saúde como no comando das Forças Comissionadas da Saúde Pública, compostas de 6 000 profissionais aptos a ser convocados em zonas de guerra e emergências. “A parte mais difícil de meu trabalho até agora é combater a politização da doença e das vacinas disponíveis”, disse a VEJA. Embora os Estados Unidos disponham de um estoque de doses suficiente para imunizar três vezes toda a sua população adulta, só 59% estão totalmente vacinados e 19% afirmam que não têm intenção de fazê-lo. “A única maneira de acabar com a resistência é divulgar informações confiáveis, apoiadas na ciência. Não me canso de repetir: as vacinas são seguras, eficazes e passaram por extensos testes com padrões altíssimos”, afirma.

CONQUISTA AMEAÇADA - Parada gay em Nova York: luta para impedir a reversão de direitos em estados republicanos -
CONQUISTA AMEAÇADA - Parada gay em Nova York: luta para impedir a reversão de direitos em estados republicanos – (Erik McGregor/Getty Images)

Nascida em Massachusetts com o nome de Richard, Levine se casou aos 30 anos com a médica Martha Peaslee, com quem teve dois filhos. Só em 2011, aos 54 anos e pouco antes do divórcio, assumiu-se transexual para os colegas de trabalho e a família — a mãe, Lillian, foi a última a saber, mas, segundo ela, reagiu bem. Também segue mantendo boas relações com a ex-mulher e os filhos. “Obviamente, sempre fui trans, mas cresci em uma época em que era muito difícil articular meus sentimentos”, explica. Antes de entrar para o serviço público, trabalhou em hospitais em Nova York e na Pensilvânia e considera ter tido “muita sorte” de poder empreender sua transição para o sexo feminino nesses locais, entre colegas e amigos.

Por mais que em seu trabalho a pandemia seja prioridade, Levine sabe que tem um papel a cumprir na aceitação da comunidade transgênero — entre 0,5% e 1% dos americanos. Tantas foram as leis aprovadas nos Estados Unidos este ano para restringir direitos dos gays que a ONG Human Rights Campain declarou 2021 “o pior ano de legislação anti-LGBTQ em toda a história recente”. Estados governados por republicanos impuseram mais dificuldades para a participação de meninas transgênero em esportes femininos e para a mudança de sexo nas certidões de nascimento, entre outras medidas. A história que Rachel Levine começou a fazer ainda tem muitos capítulos pela frente. Mas já é, sem dúvida, um passo e tanto.

Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767

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